segunda-feira, 16 de maio de 2016

Um breve histórico da sexualidade feminina

Iniciamos as postagens do nosso (amado e idealizado) Blog com um levantamento que discute a história da sexualidade feminina. O assunto é cercado de tabus e mitos, portanto a atenção é para os dados históricos que marcam as mudanças estruturais e culturais do comportamento sexual das mulheres! Avante manas!
Em eu seu livro Sexualidade feminina Ana Maria Ramos Seixas afirma que a história da sexualidade perpassa por momentos importantes, que são: pré-história; antiguidade; idade média; idade moderna e idade contemporânea.
Na pré-história a sexualidade era permissiva, o ato sexual se dava de forma quase que exclusivamente para a satisfação física, após milhares de anos surgem algumas normas para a sexualidade e com o contato com as tribos surge o tabu do incesto, termo explicado também por Freud, em seu artigo Totem e Tabu, quando fala das tribos aborígenes que viviam em regime de clãs totêmicos onde era proibida a relação sexual entre membros do mesmo clã. O fim da demonstração da sexualidade dessa época fica marcado com a passagem do sistema matriarcal - a valorização e culto do feminino, materno, procriador e organizadora da sociedade primitiva – para o patriarcal – onde a valorização passa a ser em volta do elemento masculino. É importante ressaltar que a mulher em alguns séculos atrás também tinha seu papel na produção da família, ou vivia-se em uma sociedade matriarcal, que é excluída com a entrada do patriarcado.

Obra de Jean Baptiste Debret

“Deus cria a mulher da costela de Adão, símbolo de dependência, e nomeia o homem ‘senhor de todas as coisas’” (NUNES, 1987, p. 63).

Homoafetividade na Grécia
 
Na antiguidade o patriarcalismo foi se solidificando, pois a origem bíblica do mundo coloca o homem em lugar superior ao da mulher. Aristóteles, filósofo dessa época em que o homem está em um lugar superior ao da mulher, é o primeiro grande teórico a falar sobre sexualidade em seu livro Ética e Nicômaco, onde justifica e legitima o modelo patriarcal do domínio da mulher. É nesse mesmo período na Grécia que surgem também as primeiras formas de homoafetividade, pois amar a mulher e rapazes era prática comum e livre, admitida pela opinião social e estimulada por instituições pedagógicas, militares e religiosas.
 
No início da Idade Média as mulheres eram consideradas como reservas de trabalho e manipuladas de acordo com a vontade dos homens. Nesse período a mulher tinha um alto valor de mercado, isso não as tornava mulheres mais poderosas, apenas mais valorizadas enquanto mercadoria, mesmo que sofressem todo o tipo de atrocidades de seus maridos, para os quais, casamento era uma excelente relação, pois continuavam com sua liberdade enquanto para a esposa, restava a monotonia e a negação.
Essa época é retratada como período negro da história, pois foi marcado pelo poder soberano da Igreja Católica que exerceu forte influência sobre o adestramento da sexualidade feminina em nome da superioridade masculina e, sendo o homem considerado à época um ser superior, cabia a ele exercer toda autoridade sobre a mulher o que resultou em uma mulher mutilada e privada de exercer seus direitos e seu prazer com ou sem parceiro.

"Belas, recatadas e do lar"
  

Las tres Gracias - Rubens
Cézar Nunes em seu livro Desvendando a sexualidade define de forma sucinta a entrada da sexualidade na modernidade, quando afirma que “o mundo moderno que surge é um mundo profano, crítico, liberal, que elege a razão como nova forma de compreensão do mundo rejeitando a fé e os dogmas medievais”. Desse modo o sexo torna-se forma popular de expressão, a nudez fica a critério das artes, nas pinturas e esculturas, o adultério feminino se torna comum, surgem os bordéis e casas de banho por toda a Europa e alguns países toleram e estimulam a prostituição.  

 
 
Com a concretização da reforma e contra - reforma, movimento liderado por Martin Lutero que ia contra as arbitrariedades da igreja católica, a sexualidade ganha um valor moral diferenciado, onde o sexo é visto como algo natural e o prazer é admitido, mas sempre dentro do casamento. 
Lutero e Katharina Von Bora

Weber descreve essa época em A ética protestante e o espírito do capitalista, onde afirma que "... a moral luterana será uma moral agostiniana, regulando a sexualidade no nível biológico da procriação, já que as máquinas precisavam de mão-de-obra abundante e barata" e conclui afirmando que:
"A pedagogia e a moral luterana começam a mapear o corpo, reduzindo sexualidade a um isolamento e uma negatividade assustadores. A nudez, que na época medieval era vista com naturalidade, começa a ser coberta de panos e conceitos. A linguagem sobre o sexo passa a ser controlada, e nos livros tudo o que trata do sexo é expurgado ".
Assim se dá a entrada da sexualidade no conceito de luta de classes, onde a procriação é tida como instrumento de aumento de mão de obra para o crescente espírito capitalista dominante na época. Nessa época nasce sobre o sexo,  à cultura da vergonha e do pecado em níveis tão profundos que nem mesmo a Idade Média tinha conseguido.
 
Mulheres trabalham em fábrica de munição
   Fonte: Archive of Modern Conflict London/Reuters
Com a revolução Industrial, houve a entrada novamente da mulher na história como operária, juntamente com o homem, mas era uma mão-de-obra, explorada, com baixa renda, o que caracteriza no advento do mundo capitalista no século XIX. Além disso, esse período é marcado por um grande aumento no nível de comunicação que servem de aparelho ideológico para atingir as massas, dessa forma explodem diversas formas de movimentos de contestação os jovens, o rock, os grupos feminista, negros, homossexuais, etc. Em todos os movimentos estava presente a libertação sexual, que era símbolo e matriz de outras liberdades exigidas. Há também outro grande marco que diz respeito exclusivamente as mulheres: a pílula anticoncepcional, pois com ela surge a possibilidade do sexo por prazer que passa não só a ser permitido, mas exigido pelas mulheres, como afirma Mariana Laurini em sua Dissertação de doutorado. 
Em seu artigo sobre A identidade da mulher na modernidade Josênia Vieira escreve que entre as duas guerras mundiais, houve uma grande mudança na visão romântica sobre o amor, sobressaltando assim uma forma mais natural de visão sobre o assunto, essa mudança ocorre principalmente através das influências do cinema, das roupas da moda e também dos meios de comunicação da época.

Nesse cenário se inicia uma mudança em relação ao gênero feminino, onde a mulher obtém uma maior liberdade, mas ainda com alguns tabus. Nesse período há uma importante mudança de paradigmas sobre a sexualidade feminina onde o lugar do sexo, antes discutido pela igreja, ganha espaço nas diversas áreas de conhecimento científico, tais quais a medicina, a biologia , a psiquiatria, a demografia e a política, que passam a se preocupar com o sexo, construindo novos conceitos e imagens sobre a mulher, que são estendidos ao gênero feminino como um todo. Esse novo cenário, apresenta à mulher contemporânea a capacidade de impor sua sexualidade, tendo espaço para preferências e vontades, diferente do passado marcado pela repressão e anulação.

Sobre o sexo na atualidade Josênia Vieira define que hoje a mulher em sua identidade, percebe o sexo como algo que deve ser prazeroso e cercado de novas possibilidades, instalam-se assim novas práticas sexuais marcadas pela liberalidade, onde não há mais necessidade de ocultar-se, pois não se percebem como passíveis de punição.
Nos dias atuais observam-se novas formas de expressão da sexualidade feminina em que as mulheres que absorveram as transformações ocorridas no decorrer do tempo, estabelecem novas formas de relacionamento com outros e consigo. Este fato está interligado a construção da sociedade moderna onde é estimulado o individualismo relacionado ao consumismo e investimento narcísico, como ferramentas para se chegar à satisfação pessoal.
Para finalizar, Fernanda Jota categoricamente descreve que novos mitos femininos estão surgindo para substituir aqueles antes atribuídos às mulheres. A mãe agora é aquela que também trabalha fora de casa. A mulher romântica é também a que seduz ativamente. A mulher passiva eroticamente tornou-se ativa na relação sexual.
Portanto, a mulher contemporânea mostra-se autônoma, dona de si, do seu corpo dos seus desejos. A busca pela satisfação, o desejo de ter estão imbricados no modo de ser das mulheres. Assim, elas se permitem experimentar modos relacionais, antes só permitidos aos homens, como o sexo causal, a ideia de sexo por amor dá lugar à prática sexual para obtenção do prazer próprio.
As mudanças estruturais, no que tange a sexualidade feminina, que se deram ao decorrer dos séculos marcam a luta das mulheres com as diversas figuras de autoridade. Essas conquistas são para que a cada dia tenhamos mais certeza que nosso corpo pertence somente a cada uma de nós...
 
"Mas sou minha, só minha e não de quem quiser"


Ps.: Este texto foi baseado no Trabalho de conclusão de curso para obtenção de título de bacharel em Psicologia, feito à cinco (ou dez) mãos femininas sob o título de "A CONSTRUÇÃO DA SEXUALIDADE FEMININA NAS UNIVERSITÁRIAS: UMA PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA".
 
Autoras e autores citados no texto (e seus respectivos links):
 
Sobre a autora do texto: Tatiane Rafailov é Psicóloga Clínica, feminista e mãe. Adora cinema, séries e cultura POP. Nas horas vagas escreve bobagens, devaneios, poemas e coisas sérias para extravasar a difícil tarefa de ser e existir.

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