A psicanálise sempre fez o seu
papel em explicar os conteúdos inconscientes que perpassam nossas escolhas e
decisões na vida. Em psicologia do eu e análise das massas (1921) Freud já nos
alertava para os conteúdos sintomáticos que projetamos quando alçados por um
líder. Isso porque quando a massa se
reúne em torno de um líder, as barreiras que separam a civilização da barbárie
caem por terra. As inibições criadas pela sociedade dão lugar aos instintos
mais primitivos, cruéis e violentos, amplificados por um líder, para a livre
satisfação individual.
É como se existisse uma mente
coletiva que pensa, sente e age de forma diferente do que cada um o faria
individualmente. A formação desses vários indivíduos mescla-se e forma algo
completamente diferente. É por isso que são perceptíveis as diferenças entre
aquilo que ressoa quando há a formação do grupo e os conteúdos que
individualmente os membros desse grupo trariam a tona dentro da sociedade,
muito embora esses indivíduos separadamente já dessem alguma mostra de sua
sombra. Talvez muitos sujeitos individualmente se recusem a acreditar que suas
ações representam instintos brutais e perversos, principalmente porque ao se
verem representados em seus desejos secretos, esses desejos encontram uma forma de
se ligar ao socialmente aceitável dentro daquele grupo ao qual pertence, uma forma de satisfação.
Na verdade, é muito fácil provar
que o individuo dentro de um grupo é muito diferente do individuo isoladamente.
No entanto, isso não é uma absolvição para ódio verbalizado. Isso porque embora
esse individuo talvez não revelasse os desejos mais secretos, aqueles que não
ousa dizer, e, que verdade seja dita, às vezes não tem sequer consciência de
possuí-los em razão das forças de repressão que agem enquanto mecanismos de
defesa (expulsando de sua consciência aquilo que se considera inconcebível ou
porque é uma agressão a sua psique ou porque a sociedade não aceita) não anula
o fato de que são desejos que estão lá e que na configuração das massas e
permeado por um discurso legitimador, saltam à sociedade.
E o mais assustador é que quando engolido
pelas massas, nem mesmo o individuo mais atento conseguirá analisar sua conduta
de forma consciente, seu discurso refletirá o que a massa assume enquanto verdade
e a propagação da violência será amortizada enquanto demanda psicológica
individual.
Infelizmente, nossa sociedade
teve uma amostra do discurso violento que legitima desejos pessoais e
inconcebíveis dentro do viver em sociedade. E uma vez legitimado essa sombra
toma conta do país.
Nosso país dá mostra de fascismo,
do discurso perigoso de que algumas vidas importam menos, pois o Brasil está
acima de todos. Um Slogan herdado da Alemanha nazista, um discurso reproduzido
direto das linhas de Hitler e que ganhou força como algo novo, soluções simples
para problemas complexos.
Uma separação de “nós” e “eles”
(os negros, os LGBTI, as feministas, os movimentos sociais, os professores
doutrinadores, os ativistas, os indígenas, os quilombolas, os ambientalistas,
Etc.). Em suma, os “eles” são todos aqueles que não endossam o discurso das
massas e para eles: cadeia, exílio ou a ponta da praia.
Mais do que nunca, a resistência
será necessária. É preciso se fortalecer. Procurem os amigos próximos, as
pessoas que estiveram em luta com vocês, permaneçam de mãos dadas. Proteja a
sua saúde mental, cerque-se de pessoas que tenham alinhamento de projeto de
vida, certifique-se que não está sozinha. Utilize estratégias de segurança se
considerar que você é um alvo nesse novo regime. Usem filtro soltar e lembre-se
que a luta por direitos é uma luta diária.
Toda a minha admiração por quem
lutou pela democracia e por quem será resistência.
Sobre a Autora: Camila é Psicóloga por missão na vida. Trabalha com Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes