quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Quando o ódio se espalha...revelando a sombra interior.




A psicanálise sempre fez o seu papel em explicar os conteúdos inconscientes que perpassam nossas escolhas e decisões na vida. Em psicologia do eu e análise das massas (1921) Freud já nos alertava para os conteúdos sintomáticos que projetamos quando alçados por um líder.  Isso porque quando a massa se reúne em torno de um líder, as barreiras que separam a civilização da barbárie caem por terra. As inibições criadas pela sociedade dão lugar aos instintos mais primitivos, cruéis e violentos, amplificados por um líder, para a livre satisfação individual.
É como se existisse uma mente coletiva que pensa, sente e age de forma diferente do que cada um o faria individualmente. A formação desses vários indivíduos mescla-se e forma algo completamente diferente. É por isso que são perceptíveis as diferenças entre aquilo que ressoa quando há a formação do grupo e os conteúdos que individualmente os membros desse grupo trariam a tona dentro da sociedade, muito embora esses indivíduos separadamente já dessem alguma mostra de sua sombra. Talvez muitos sujeitos individualmente se recusem a acreditar que suas ações representam instintos brutais e perversos, principalmente porque ao se verem representados em seus desejos secretos, esses desejos encontram uma forma de se ligar ao socialmente aceitável dentro daquele grupo ao qual pertence, uma forma de satisfação.
Na verdade, é muito fácil provar que o individuo dentro de um grupo é muito diferente do individuo isoladamente. No entanto, isso não é uma absolvição para ódio verbalizado. Isso porque embora esse individuo talvez não revelasse os desejos mais secretos, aqueles que não ousa dizer, e, que verdade seja dita, às vezes não tem sequer consciência de possuí-los em razão das forças de repressão que agem enquanto mecanismos de defesa (expulsando de sua consciência aquilo que se considera inconcebível ou porque é uma agressão a sua psique ou porque a sociedade não aceita) não anula o fato de que são desejos que estão lá e que na configuração das massas e permeado por um discurso legitimador, saltam à sociedade.
E o mais assustador é que quando engolido pelas massas, nem mesmo o individuo mais atento conseguirá analisar sua conduta de forma consciente, seu discurso refletirá o que a massa assume enquanto verdade e a propagação da violência será amortizada enquanto demanda psicológica individual.
Infelizmente, nossa sociedade teve uma amostra do discurso violento que legitima desejos pessoais e inconcebíveis dentro do viver em sociedade. E uma vez legitimado essa sombra toma conta do país.
Nosso país dá mostra de fascismo, do discurso perigoso de que algumas vidas importam menos, pois o Brasil está acima de todos. Um Slogan herdado da Alemanha nazista, um discurso reproduzido direto das linhas de Hitler e que ganhou força como algo novo, soluções simples para problemas complexos.
Uma separação de “nós” e “eles” (os negros, os LGBTI, as feministas, os movimentos sociais, os professores doutrinadores, os ativistas, os indígenas, os quilombolas, os ambientalistas, Etc.). Em suma, os “eles” são todos aqueles que não endossam o discurso das massas e para eles: cadeia, exílio ou a ponta da praia.
Mais do que nunca, a resistência será necessária. É preciso se fortalecer. Procurem os amigos próximos, as pessoas que estiveram em luta com vocês, permaneçam de mãos dadas. Proteja a sua saúde mental, cerque-se de pessoas que tenham alinhamento de projeto de vida, certifique-se que não está sozinha. Utilize estratégias de segurança se considerar que você é um alvo nesse novo regime. Usem filtro soltar e lembre-se que a luta por direitos é uma luta diária.
Toda a minha admiração por quem lutou pela democracia e por quem será resistência.


Sobre a Autora: Camila é Psicóloga por missão na vida. Trabalha com Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

A PEC 181 e a institucionalização assustadora de Handmaid's Tale.

imagem de divulgação da série

A vida anda tão handmaid's tale (O conto da Aia) que parece que estamos vivendo 24h num pesadelo ou numa brincadeira de muito mau gosto.
E caso você não tenha lido esta maravilhosa e desconfortável distopia, fiz um resumo dela aqui e sugiro que você leia, aprenda alguma coisa e se prepare, pois ela é perigosamente real.
Na Quarta - feira a comissão da Câmara aprovou por 18 votos a 01, a apresentação de uma proposta no mínimo indecente que estabelece que a vida começa na concepção com base obviamente nas próprias parcas e podres convicções religiosas, pois sabemos que não há resposta para esse dilema, tão pouco concordância acadêmica ou médica sobre o assunto.
Tal proposta é na verdade um cavalo de Troia, já falei sobre o estatuto do nascituro aqui e o quanto ele é danoso para as mulheres. Ela traz um turbilhão de insegurança jurídica e ataca justamente a espinha dorsal da questão legalização do aborto, mesmo nos casos permitidos pela legislação.
Estranhamente, a PEC 181 sequer se tratava da questão do aborto originalmente, na verdade era um projeto para alterar a legislação trabalhista e ampliar a licença maternidade para bebês prematuros. E numa manobra suja e fraudulenta, a bancada religiosa colocou artigos que dizem que a vida começa com a concepção e caso tal lei seja aprovada e entre na Constituição, inviabilizaria qualquer discussão sobre o aborto no Brasil, além de trazer insegurança jurídica criminalizando os casos em que o procedimento é previsto. 
Aborto é sempre um tema que gera insegurança e polêmica, principamente porque as pessoas o discutem baseadas em suas convicções religiosas e morais e se esquecem de discutir do ponto de vista acadêmico, do ponto de vista da saúde pública. Suscita discussões acaloradas e vazias de argumentos.
O que as pessoas com frequência esquecem é que esse feto, essa criança que ainda não nasceu e que não vive fora do corpo dessa mulher é um conceito. Ela não está viva a não ser enquanto compartilha o corpo de outro e, portanto, ela não precisa ser alimentada, vestida, cuidada. Ninguém, além da pessoa com quem ela coexiste precisa lidar com ela.
E por ele ser um conceito, quem se importa se ele será amado ou desejado? Quem se importa se ele será educado ou abandonado? Quem se importa se ele será apenas mais um problema social?
E sempre me pergunto de que vida afinal eles são a favor? Que vida é essa que defendemos em detrimento de uma vida já pronta e que não recebe apoio em suas decisões, que não recebe assistência médica e que é julgada e criminalizada. A vida que eles defendem não é uma vida com a qual eles tem que se preocupar. 
Sim, a vida está muito handmaid's tale e nosso útero não nos pertence mais, uma sala repleta de homens decidiram que não temos o direito de escolher. Decidiram que se formos estupradas, nosso sofrimento será institucionalizado. Numa revitimização constante e alienante. 
Daqui a pouco seremos catalogadas como férteis e não férteis e seremos relegadas a função única de reproduzir. Essa distopia está acontecendo e está acontecendo agora.

Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.


domingo, 5 de novembro de 2017

Hibisco Roxo (Chimamanda Adichie) - Sobre indicações de livros para a vida.


Arquivo Pessoal


Hibisco Roxo é um desses livros que a gente sente prazer ao indicar para os outros. E mais que isso, sente que é necessária a leitura e a reflexão sobre os temas trazidos. Chimamanda Ngozi Adichie, é uma autora que está em alta e não por acaso, ela traz temas muito complexos, polêmicos e necessários dentro da nossa sociedade que tem cada vez mais feito uma imersão no Conservadorismo (e isso me assusta para caralho).
Não é segredo que houve uma explosão de publicações dela no Brasil, embora com vergonha eu reconheça que li (por enquanto) apenas este Livro e aquele que foi transformado a partir da palestra dela no TED e que foi nomeado como Sejamos Todos Feministas (maravilhoso, inclusive) e a Editora Companhia das Letras disponibiliza o ebook free aqui e que fala sobre a questão da socialização e de como ela não falha.
Mas, voltando ao livro e essa resenha contém spoilers, mas apenas porque é impossível falar sobre como esse livro me tocou sem dizer o porquê.
Ele conta a história de uma família Nigeriana que me parece ser de classe média alta ou mesmo classe alta e ele é contado sobre o ponto de vista de Kambili, filha mais nova.
A história mostra como a colonização branca influenciou no pensamento e na cultura do povo, principalmente do ponto de vista religioso. O pai de Kambili, Eugene, é um das pessoas que abraçaram a religião cristã em detrimento da sua própria cultura religiosa e faz uso não apenas da fé, mas do pavor que vem com ela, da tirania religiosa como forma de justificar a punição. Com a função social de homem rico, reto e justo, Eugene veste a máscara social da retidão, da caridade e de alguém digno de ser admirado, cujo caráter não pode ter arranhões. Sua família, por outro lado, precisa corresponder a essa imagem social do pai, não lhes sendo permitido falhar. Suas falhas são punidas de forma excruciante.
Eugene em muitos pontos me trouxe à memória, algo que Reich falava sobre a análise de caráter, sobre como funcionamos de um jeito e nos comportamos de outro. E que o esforço realizado para manter o personagem (a máscara social) na verdade revela que somos muito mais identificados com a sombra que seriam as exigências sociais (conheço pouco de Reich, posso inclusive estar falando bobagem). Mas a ideia de que a rigidez é algo que a gente vê no outro por mais que ele tente mostrar o contrário, sempre foi muito intrigante para mim. Sabe, aquela pessoa que tenta passar a imagem de desconstruidão, mas que o caráter é conservador e isso você percebe na forma de se portar, nas palavras que usa, no jeito de andar, porque essa rigidez se reflete nos músculos do corpo. Enfim, Eugene é essa pessoa rígida que usa a fé para justificar suas ações, sejam elas boas ou ruins.
Dentre outros temas, o livro fala bastante sobre a questão da socialização, Eugene não é assim porque aderiu a fé cristã, ele é assim porque na cultura patriarcal em que foi criado, ser homem lhe dá o direito de considerar seus filhos e sua esposa como sua propriedade e deles se dispor como desejar.
Por outro lado tem Ifeoma, irmã de Eugene, professora universitária e completamente diferente do irmão, em questão social e afetiva. É nela que Kambili e Jajá (irmão) encontram refúgio e começam a descobrir uma outra forma de existir, uma na qual não precisam ter medo nem do pai, nem do além túmulo. Inclusive de descoberta da própria cultura. Ifeoma representa a ruptura desse ideal paternalista. Aliás, o título do livro, é sobre esse momento, sobre o que ele representa.
É muito interessante olhar a cultura em que os personagens estão inseridos e suas percepções a partir da mesma. Sobre como Kambili acredita que é justificado o que lhe é feito ou ordenado.
O livro trata sobre violência doméstica e muitas vezes de forma brutal. Não é um livro fácil de ler, não é um livro confortável, mas é um livro necessário.
E é um livro necessário, porque na nossa mente a violência doméstica ainda é culpa de quem sofre, raramente há uma reflexão mais profunda de como isso é um processo social no qual agressor e agredida repetem um padrão. Presos num ciclo vicioso que tem profunda ligação com as representações sociais de ser mulher ou homem, de seu papel na sociedade, da classe social, da violência estrutural e de como isso influência suas vivências.
E como eu já disse, em outras oportunidades,novas teorias e necessidades de adequação surgem pra corresponder a um ponto de ruptura da realidade.
Por isso é importante refletir sobre gênero, sobre violência, sobre socialização. É importante, porque nossas diferenças vão muito além do biológico. Somos seres sociais e como tais somos condicionados por regras socialmente estabelecidas. E é preciso adequar constantemente essas regras sempre que percebemos que elas não são justas para todos.

Fiz um canal do youtube e tem resenha sobre Hibisco roxo, neste link aqui aproveita dá um like no vídeo e se inscreve no canal.

*Texto com alterações e originalmente publicado no blog sobre livros da autora.



Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O dia que não acabou...

Foto da Manifestação Dia 13/12/2016 - Arquivo pessoal


Dia 13 foi um dia fatídico, repleto de significado. Foi o dia que desiludimos do sonho de viver em uma Democracia.
A repressão da manifestação deixou claro que só é possível se manifestar neste país se sua visão de mundo estiver alinhada com a ideologia denominante.
E, sim, foi repressão o que ocorreu na Esplanada dos Ministérios. Os grupos contrários ao projeto de governo foram massacrados, numa tentativa covarde de coibir os protestos. A mídia como sempre cumpriu seu papel de manipular a população e encobrir o Governo.
Os manifestantes contrários a proposta e ao governo são sempre taxados pela grande mídia de baderneiros, vândalos e comunistas. Já os que possuem uma visão alinhada, por outro lado, são cidadãos, ou os paneleiros de verde e amarelo - como chamamos carinhosamente, cuja indignação é justificada, é pelo bem do país. 
O engraçado é que os paneleiros, nada mais são do que se autointitulam cidadãos de bem (e tenho horror a eles), aqueles que acreditam que bandido bom é bandido morto, que a mulher é uma encubadora em potencial e que merece morrer ou ser presa se decidir exerceu seu direito de escolha, insinuam que as cotas são imorais, acreditam na Meritocracia. São aqueles que não tem nada contra homossexuais, negros e mulheres, mas....
Aos cidadãos de bem, a polícia está ali para o suporte, pois eles servem para manutenção do Status quo, eles são a massa de manobra que a mídia utiliza para controlar os eventos sociopolíticos do país.
E são constituídos de dois tipos de pessoas: a classe média alta, que está cansada de pobre e negro fazendo faculdade, viajando de avião e doméstica de carteira assinada, que pensa sempre no próprio umbigo e está preocupado é se vai ou não conseguir ir à Disney esse ano. A outra parte é composta pelo cidadão médio, aquele que adentrou à classe média e se sente integrante deste grupo, mas que obviamente ainda não percebeu que seu destino é voltar a classe pobre. São os famosos oprimidos que sonham em ser opressores e por isso, sustentam a visão de mundo da classe dominante e são rápidos em julgar e culpabilizar a esquerda. 
Aos manifestantes, a polícia está ali para reprimir, descer a porrada e alimentar a imagem negativa de quem tenta fazer algo pelo país. E assim, o governo e a mídia conseguem o que quer, manipular parte da população para servir aos seus propósitos.
Dia 13 foi o Climax de uma história que se iniciou em 2003, com a eleição do Partido dos Trabalhadores para o Cargo antes ocupado pelos Senhores da Casa Grande. E que significativo que nossa maior derrota tenha sido em um dia de número 13.
Em 2003 quando o Partido dos Trabalhadores assumiu a Presidência da República, assumiu o desafio de governar para os mais pobres, sem que isso significasse romper com a elite. É fato que o poder aquisitivo cresceu ao longo da era PT, que conseguiu implantar os programas sociais como nenhum outro governo tinha conseguido fazer. Com a renda aumentando, os benefícios de transferência de renda entrando em foco, a Direita começou a se ressentir, pois perdia pouco a pouco sua distância da classe dominada. A classe trabalhadora teve um ganho financeiro real, mas não teve ganho ideológico. O partido passou a governar para atender a institucionalidade política e se esqueceu da formação ideológica de base da sociedade e do povo. 
Os movimentos sociais tiveram a falsa ilusão de que a esquerda estava no poder e relaxaram em cobrar e se colocar como oposição, com isso abriu espaço para que outros movimentos conservadoristas ganhassem adeptos. 
Todas as acusações, a corrupção trouxe um fardo para a esquerda que sucumbiu ao seu peso. A direita sempre foi corrupta, todos sabíamos, mas a esquerda foi mais atingida, porque nossa decepção foi maior.
Com todos esses golpes (que ironia) sofridos, a Direita estava pronta para dar o golpe certeiro e sua estratégia foi melhor, eles aproveitaram da crise que era mundial, da nossa decepção com a esquerda e da mídia que desejava que a Direita retomasse seu projeto neoliberal. Eles inflamaram os grupos que nunca admitiram os ganhos sociais e essa fórmula foi o suficiente para implodir o País.
A direita conseguiu implantar o seu programa neoliberal, que é a política dos bancos, dos empresários, que beneficia a elite a custa da exploração do trabalhador. Deram inicio a vários retrocessos, atacando pontos essenciais da Constituição de 1988, já falei um pouco sobre os direitos humanos adquiridos na constituinte aqui. A PEC 55, votação ocorrida no dia 13, ataca a espinha dorsal da Constituição Federal que é o Estado Social.

Infelizmente, os movimentos sociais não foram rápidos o suficiente em se organizar, enquanto classe. Mas agora é urgente a organização para que possamos continuar a resistir, pois tempos sombrios virão.


Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida, atua na área de Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Nossa responsabilidade nas ocupações dos estudantes.

Centro de Ensino Médio 414 de Samambaia
Esse texto é dirigido a todos aqueles que já batalharam as guerras da juventude, e com a companhia de suas cicatrizes dessa fase, vivem seguros em terras calmas da aceitação proporcionada pela vida adulta.

Sim, nós conseguimos! Estamos em terras calmas, previsíveis e graduamos enquanto seres humanos pacíficos e compreensíveis. Não iremos mais nos rebelar, nossos pais estavam certos, as coisas são como elas são e não iremos mudar o mundo. E antes dos gritos de conformistas que logo irão soar, peço que entendam que é que batalhas cansam demais, assustam demais, trazem insegurança e dor. Refugiados na vida adulta, aceitamos as imposições desse novo estado, como quem que não sente-se autorizado a mudar o jogo que pegou na metade.

No entanto, vocês lembram como era lindo o país da juventude? Nossa pátria amada que, mesmo com tantos conflitos, prometia tanto e tanto? Todos nós saímos vivos de lá por motivos diversos, mas ele continua ali, companheiros expatriados. Batalhas são travadas todos os dias, jovens caem aos montes, alguns com cicatrizes, outros sem vida.

Hoje, gostaria de falar sobre a batalha que nossos jovens secundaristas e universitários estão enfrentando. Há um tempo assistimos eles lutando por ideais diversos, com uma força que até espanta, e recentemente eles engajaram em uma luta por toda a população e por aqueles que estarão no lugar deles no futuro. Eles lutam contra o congelamento na saúde e educação e o engessamento do ensino médio.

Recentemente, Ana Júlia, jovem secundarista que representou a União Brasileira de Alunos Secundaristas (UBAS) em uma reunião com parlamentares em Curitiba, falou da luta que eles estão enfrentando, seus ideais e motivações. E com uma dose maior de coragem, ela também falou da fragilidade da juventude, do enorme esforço que eles precisam fazer para entender o que está acontecendo, e de construir uma visão a respeito do contexto social.

E qual nossa responsabilidade diante disso? Nós já lutamos nossas lutas, nosso modo de batalhar é diferente agora, não vamos sair por aí ocupando escolas. E não vamos mesmo! Não podemos dizer pelo o que e como os jovens vão lutar, a escola é deles e são eles que tem que ocupar, mas nós somos responsáveis sim! Resta a nós, experientes em batalhas, que proporcionemos um espaço seguro e acolhedor para que o jovem faça a revolução deles.

Milhares de escola no Brasil estão ocupadas. Reforço o convite dos secundaristas e dos estudantes dos IF’s: visitem uma escola ocupada. Levem água, comida, distração, compreensão e escuta. Levem amor, acolhimento e força. Levem encorajamento, ambiente e reconhecimento. Deixo aqui o link da lista das escolas ocupadas, e descrevo abaixo as escolas no Distrito Federal que estão ocupadas no momento.

Entre em contato pela page do Resistência Feminina para saber pontos de arrecadação para as ocupações.

Escolas e IFBs ocupadas no Distrito Federal:

·         Brasília - CEM 304 Samambaia
·         Brasília - CEM Setor Oeste
·         Brasília - CED 01 de Planaltina
·         Brasília - CED Gisno
·         Brasília - CEM 111 do Recanto das Emas
·         Taguatinga - CEM TN
·         Brasília - CEM Elefante Branco
·         IFB Estrutural
·         IFB Planaltina
·         IFB Riacho Fundo
·         IFB Samambaia
·         IFB São Sebastião


Sobre a autora: Rach é psicóloga, tem tentado ser escritora e vive na internet desde que isso tudo era capim. Quando criança, perguntou certo dia a sua mãe porque ela dizia "não vou colocar meus filhos homens para lavar a louça se tenho uma moça em casa", e depois de tantas outras perguntas sem resposta, se apaixonou pela bruxaria, se indignou com o machismo e se descobriu feminista.


terça-feira, 5 de julho de 2016

Direitos Humanos: os seus, os meus e os nossos...

Há muito tempo queria falar sobre Direitos Humanos, porém sempre que cito tal termo, aparece algum grupo querendo fazer uma fogueira de mim em praça pública e acho que não ficarei tão bem se virar churrasquinho.
O fato é que isso sempre me trouxe muitos incômodos, pois obviamente não estamos nos entendendo e nem fazendo nos entender quando o assunto é Direitos Humanos.
Dito isso, acho importante situar o leitor do que se trata esse bicho de sete cabeças, e nada mais esclarecedor do que começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Artigo 1 º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para os outros em espírito de fraternidade" 

Lá em 1948, a necessidade de todos os homens serem iguais em dignidade e em direitos já era discutida. E parece muito óbvio quanto pensamos na frase escrita. Mas será que é tão óbvio na prática? Deixo essa pergunta para reflexão até o final do texto.

Importante ressaltar que os Direitos Humanos são princípios e direitos que juntos representam a defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana. Sendo fundamental lembrar que cada individuo, grupo ou comunidade tem o direito de acessar os direitos, redundante né?! Mas não tão óbvio assim, quando nos deparamos com questionamentos acerca de cotas, de políticas de transferência de renda, de veto de direitos a grupos minoritários, e, claro, quando lidamos com forças constantes no congresso que eliminam direitos.
Vem comigo então, e vamos pensar na construção de Direitos e Garantias, pois diferente do que muita gente parece acreditar, Direitos Humanos tem a ver com acesso a qualquer tipo de direitos. Por exemplo, você gosta de ter carteira assinada? férias? 13º? saiba que esses são direitos adquiridos através da luta de movimentos sociais que representam os setores que defendem os temidos Direitos Humanos.
Pra quem não sabe, nossa Constituição foi inspirada nos princípios iluministas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. E não pretendo dar uma aula sobre Direito Constitucional, porque Oi?! sou Psicóloga e não formada em Direito. Mas acredito que todo mundo deveria conhecer a construção de sua Constituição, isso certamente eliminaria alguns maus entendidos e nos faria ficar mais atentos a perda de direitos e ao processo que foi conquistá-los.
O fato é que os direitos e garantias que hoje temos foram criados a partir dos preceitos da revolução francesa, portanto, os Direitos de primeira geração, isto é, aqueles que dizem respeito as liberdades individuais, como liberdade à vida, propriedade, liberdades públicas, são direitos civis e políticos e fazem a ponte com o principio da Liberdade, obviamente. Os Direitos de segunda geração, correspondem a um Estado Social e são aqueles ligados à saúde, educação, alimentação e temos o princípio da Igualdade. E temos também os direitos de terceira geração, correspondentes aos direitos transindividuais ou difusos, são direitos sem individualizações e dizem respeito a uma série de pessoas que partilham de certas condições. Aqui entra o princípio da fraternidade  e diz respeito ao Estado Democrático, e os direitos de que falamos são aqueles como o direito ao meio ambiente, paz, progresso, direito do consumidor e por aí vai. Claro, que tem muito mais coisa, inclusive tem os que defendam que existem direitos de quarta geração que corresponderiam aos avanços tecnológicos, como a manipulação genética, a própria democracia, o pluralismo e o direito à informação. E me perdoe os juristas de plantão pelo simplismo.
Enfim, a Democracia é por excelência o regime promotor de Direitos Humanos, isso porque os princípios que a fundamentam são os mesmos que instituem os Direitos Humanos. Aliás, falando em princípios e valores e todas essas coisas.  
Importante lembrar para alguns Estados que o Brasil é regido pelo principio da Indissolubilidade do Vínculo Federativo. Qual é gente, só eu morro de rir com os movimentos separatistas? Gente, isso significa que o Brasil não admite o direito de secessão. Isto é, a separação dos Estados. O choro é livre.
O que não tem necessariamente a ver com nossa conversa, mas queria falar assim mesmo.
Na verdade, o que queria trazer era o fato de que nossa Constituição traz algumas finalidades essenciais para o Estado, e vou ressaltar duas, pois servem aos meus propósitos:

Erradicar a pobreza e a marginalização e diminuir as desigualdades; Promover o bem de todos sem preconceitos (origem, raça, cor, sexo, idade).

Todos os princípios, finalidades, direitos e garantias e até mesmo os deveres em nossa Constituição buscam concretizar na prática um dos valores essenciais: A dignidade da Pessoa Humana.
Então por qual razão ou circunstância, é tão difícil aceitarmos que uma política de transferência de renda, não é esmola, é uma forma de tentar erradicar a pobreza e diminuir as desigualdades sociais; E ao contrário do que alguns setores da sociedade insistem em dizer, o Bolsa Família é uma das políticas mais aplaudidas no mundo para erradicação da miséria no país; 
Eu trabalhei com famílias em contexto de vulnerabilidade social e posso dizer, que aqueles setenta reais que vocês insistem em chamar de esmola é a diferença entre uma criança ter  e não ter o que comer, é a diferença entre ela estar na escola ao invés de estar no lixão ajudando a família a pôr comida na mesa. 
O que me leva a questionar, por que é tão difícil aceitar que grupos minoritários recebam os mesmos direitos que você, branco, privilegiado, sempre teve?
Os Direitos Humanos amplia e transforma seu objeto a cada nova conquista social, todas as conquistas sociais são em essência uma luta por Direitos Humanos.
Já dizia Hannah Arendt: A essência dos Direitos Humanos é o direito de ter direitos.

Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida, atua na área de Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.



domingo, 26 de junho de 2016

A dor de ser mulher

Suzane querendo saber como é ficar sem ar. A gente já sabe Suzane, nos esmagam todos os dias.
Suzane de Orange Is The New Black, retirada do google.

Este era um texto é um texto extremamente pessoal, mas o que não o impede de ser coletivo.

Há quase um ano atrás eu havia terminado de escrever um ensaio para minha aula de Lacan, onde falaria sobre a falta e a maternidade, tema que escolhi diante das leituras que realizamos no decorrer do curso e em razão a minha escolha de tema de monografia.

Naquele momento, uma porrada de teoria me fez sentir algo tão sem palavras eloquentes (ou sem elegância, como criticaram algumas vezes da minha redação), que ardia em meu peito não poder caber no ensaio os meus sentimentos. O que os teóricos da psicanalise (que eu li) dizem como a ausência/falta do falo/pênis/poder, para poder explicar a condição humana diante da realidade compartilhada e para justificar a diferença de funcionamento entre homens e mulher, não compreende a dor que eu sinto e que vejo em outras mulheres.

Então o lance vai ser o seguinte, eu vou me contentar que a parte teórica eu já cumprir, e já entreguei todos os benditos trabalhos que o modelo acadêmico exige. Aqui queria comunicar, e até desabafar, com palavras pouco elegantes e muito coloquiais o que eu sinto. Eu sei que preciso de um ponto de partida, pois não quero deixar ninguém perdido, mas a única coisa que consigo pensar seria um spoiler, então perdão.

retirado do netflix, foi mal.
Acabei de assistir Orange Is The New Black, e a cena em que a Taystee anda pelos corredores gritando me fez subir na cama e relembrar todos os sentimentos que me tomaram ao escrever o bendito do ensaio. Taystee gritava que diziam que um guarda era vítima, enquanto nem mencionavam o nome de sua colega que havia sofrido uma coisinha que não vou contar, mas arg AAAAAAAAAAAH. Não saber o meu nome, era o que causava um nó em minha garganta todos os dias em que tinha que esperar ônibus depois das 23h e ficava morrendo de medo de algum homem aparecer e me estuprar e/ou matar, pois todo o desamparo que sofria se resumia para mim na falta de reconhecimento da minha existência.

Uma pequena e deselegante pausa aqui. OITNB é uma série que eu assisto justamente pelos conflitos que giram em torno das mulheres, e que eu explicaria há um dia atrás que o meu envolvimento com a série se dava pela empatia que eu sentia diante das personagens. No entanto, pessoal, empatia é quando você consegue se colocar no lugar do outro; mas quando a dor que você sente é a mesma dor que a outra pessoa está sentindo, isso se chama identificação.

Eu, Raquel Caldeira Lima, 27 anos, moradora da Ceilândia no Distrito Federal, estou declarando em público que me identifico com a imagem produzida por Jenji Kohan, através da série ‘Orange Is The New Black’, baseada no livro de Piper Kerman, de presidiárias de algum lugar de Nova York. E eu sou bem diferente das mulheres representadas.

Agora, o que tem a ver a castração psicanalítica, uma série do netflix e o título do post? Simples, o que faz com que eu me identifique com a série é a dor sobre a qual ela fala. Mulheres, desde muito cedo nós descobrimos algo que nos faz cair do paraíso, e temos que lidar com isso como se fosse a maior das dádivas divinas. Descobrimos que nós não... Poderia colocar aqui inúmeros exemplos de não, mas eles me fariam perder o foco, que é somente a palavra não.

Traduza da forma que quiser (a psicanálise traduziu como falo, e no auge da minha revolta acho que é para dizer que as mulheres nunca vão poder ter esse poder 8D, afinal não a maioria não pinto né?), mas nós descobrimos que não temos algo que nos permita existir sem precisar de uma elaborada habilidade criativa. Não que não tenhamos inatamente, mas a sociedade não enxerga em nós esse algo e não nos permite existir. A dor de ser mulher é a dor da impotência diante as imposições dos desejos do outro, a dor de não ser reconhecida e nem considerada, a dor de ser subjugada, a dor de ter tantas visões limitadoras tidas como padrões de comportamento feminino, e tantos e tantos e tantos e tantos e tantos nãos.

Estou tão cansada de ver e sentir essa impotência imposta, pois nem tentar nos é permitido. Das mulheres são esperados que elas suportem tudo, mas que não possam nada, que tudo bem acontecer as inúmeras atrocidades e desumanidades que acontecem conosco, afinal somos frágeis e esse sofrimento vai acontecer de uma forma ou de outra, nunca iremos reagir, iremos entender e sequer pensam que algumas vezes podemos ser as contraventoras. Esse não é vivido diariamente e apertado nossa ferida, colocando sal a cada vez que achamos que iria curar.

Estupro;
Violência obstetrícia;
Gravidez indesejada;
Violência doméstica;
Assedio moral;
Assedio sexual;
Desigualdade salarial;
Violência social;
Generalizações incapacitantes;
Estereótipos que difamam;
Culpas diversas...

Precisamos nos unir, gritar não umas com as outras, mas gritar para que escutem nossa voz, até que nossa existência não possa mais ser ignorada. Até a dor passar.

Sobre a autora: Rach é psicóloga, tem tentado ser escritora e vive na internet desde que isso tudo era capim. Quando criança, perguntou certo dia a sua mãe porque ela dizia "não vou colocar meus filhos homens para lavar a louça se tenho uma moça em casa", e depois de tantas outras perguntas sem resposta, se apaixonou pela bruxaria, se indignou com o machismo e se descobriu feminista.