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Fedida! Tomara que te dê dor de
barriga.
A figura da bruxa, e da bruxaria,
está endereçada àquilo que é sujo, maléfico e, principalmente, que contradizem
as regras. A literatura (ler: representação feminina na literatura)
contribuiu bastante pela consolidação dessa imagem, onde ou a mulher malvada atrairia
crianças com doces para comê-los, ou por pura inveja e sentimentos de despeito
amaldiçoaria uma recém-nascida.
Nos filmes de terror, essas mulheres
são também determinadas, indomáveis, que detestam homens e usam de sua
juventude e beleza (em algumas versões dádivas que são roubadas de jovens
puras) para praticar o mal, mas nunca para casar, pois a bruxaria é praticada
por mulheres solteiras, que usam sua capacidade de ter filhos para dar ao seu
consorte, o demônio, com quem poderá realizar todos os seus desejos lascivos.
Engraçado, né? Quando os homens por eles mesmo não podem realizar o domínio sobre as mulheres, é evocado a figura de um
homem sobrenatural que exerceria esse domínio.
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Migas e eu, aterrorizando Macbeth te-he
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E assim, temos para a mulher um
lugar a ocupar que não seja o de esposa, meretriz ou donzela. Temos o lugar da
bruxa, da mulher que exerce um poder independente do marido ou do pai.
No livro Malleus Maleficaru, seus
autores descreveram o que seria indícios que comprovavam que alguma pessoa era
praticante da bruxaria, e apontava as mulheres como as maiores prováveis praticantes,
pois suas características naturais as tornavam mais atraídas pelas sedução do demônio.
A mulher era descrita como sedutora e mentirosa por natureza, que fazia padecer
o homem mais forte, e quando ocupava posições sociais de destaque, longe do domínio
de um homem, era ainda mais suspeita.
Com os rígidos ideais morais da
igreja cristã da idade média, homens e mulheres tinham que reprimir fortemente
seus desejos, em especial no que confere ao desejo sexual. Considerados dotados
de senso de justiça, experiência e discernimento, o homem da idade média era
forte o suficiente para não ceder às tentações do demônio dos prazeres, excerto
que fosse seduzido por algo mais forte que ele mesmo: o feminino, digo, seus
próprios desejos.
O feminino em Freud¹ é considerado
enquanto parte existente em ambos homens e mulheres, e que por característica seria
relacionado a passividade. No entanto, aqui me refiro ao feminino enquanto características
na maioria das vezes compartilhadas pelo mundo das mulheres, seu corpo e o
mistério culturalmente estabelecido acerca de sua sexualidade.
O feminino tomou culpa no lugar do próprio
desejo do homem, seduzido a comer a maçã, não era que ele enfraquecesse em sua
moral e desejasse uma mulher casada, mas que aquela mulher através de seu feminino
o havia seduzido, e dessa artimanha do diabo ele não podia escapar. Pobrezinho L. Não havia como fugir da condenação
da inquisição, se uma mulher era vista como incômodo para comunidade, logo ela
seria acusada de bruxaria e as tortura orientadas pelo santo ofício não
resultava em nada mais que a condenação da mulher – fosse por suas lágrimas,
tentativa de manipulação, ou pela falta delas – a rigidez demoníaca².
Eva quando é seduzida pela serpente
a comer a maçã é considerada culpada. No entanto, quando Adão cai na sedução
de Eva, ele não é culpabilizado.
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Se ela morrer ela é inocente,
se sobreviver é culpada.
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Não somente pessoas foram vítimas da
inescapável inquisição, mas a cultura partilhada por um povo, seus registros,
suas histórias. Juntamente com cerca 100 mil mortes, foi difamado o culto a
natureza e ao feminino realizado pelas religiões pagãs. Nessas religiões, o
feminino era tido como sagrado, onde deusas eram o centro das religiões, a
sexualidade feminina não era condenada e a mulher anciã era reverenciada.
Diante do protagonismo das mulheres
nessas religiões, o poder do homem cristão era ameaçado, e com as fantasias de
que seriam dominados por mulheres surgiu o medo de perder o poder,
traduzidos como medo da morte por terríveis pestes, da vingança divina ou medo
de perder seus privilégios a serem encontrados no paraíso ou posições sociais.
Winnicott³, diz que o medo DE MULHER
refere-se ao medo que se tem da lembrança da dependência absoluta que todos já
tivemos no colo de uma mulher. Olha só que interessante, a mulher é ameaçadora
justamente por lembrar que nem homem e nem mulher tem poder absoluto. Ah vá
ti catar!!!
Minha intenção ao começar a escrever
esse texto era falar sobre a bruxaria, como esse culto diz sobre o feminino,
mas percebi que é impossível falar sobre o tema, já que a história da bruxaria
está tão marcada difamação. Hoje não se admite a possibilidade de falar sobre a
bruxaria desvinculada do cristianismo – da existência de demônios e do culto a
satanás -, sendo que se tratam de crenças totalmente diferentes.
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Se simplesmente dissesse que a
bruxaria é a arte da manipulação da natureza a sua vontade, que busca equilíbrio
e respeito com o ambiente, que é recanto do feminino e mantem em si a cultura
matriarcal, dificilmente conseguiria transpor a imagem demoníaca que se
construiu.
Sempre vivemos enquanto mulheres
perseguidas pela inquisição, e esses maldizeres sobre a bruxaria é só mais
artificio. Cabe no papel da bruxa o que não cabe no papel de Maria, ideal inalcançável
de pureza e maternidade simultâneos.
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nota de Gilberto Amaral a respeito da
ausência de mulheres nos ministérios. |
Atualmente no Brasil, podemos ver
como esse padrão é tão forte e ameaçador, pois uma cúpula de homem demonizou
uma mulher em favor de seus desejos, atribuiu à ela a culpa das nossas pestes
atuais, o que foi tão facilmente aceito, embora falte fundamentos legais. E
assumiu um homem, vários homens, exercendo a dominação que eles temem tanto
perder, e como representatividade para mulheres, elegeu-se a bela, recatada e
do lar.
E me abstenho de falar agora sobre
como a representação da mulher brasileira enquanto objeto do e de desejo influência
em uma epidemia nacional - turismo sexual, pois ainda preciso amadurecer o assunto. No entanto,
preciso dizer que quando nos dizem que o nosso ideal almejado é ser bonita e
sexy, dizem que tudo o que podemos ser é da cama ou da prateleira.
Atualmente, alguns movimentos tentam
rebuscar a bruxaria (os wiccannos, os gardenianos, os dianicos), e algumas
mulheres já se orgulham de ostentar o seu título conquistado de bruxas. No
entanto, ainda existem países que matam mulheres por praticar a bruxaria, mesmo
que não seja a verdade; ainda acham que as bruxas sacrificam crianças e fazem
sexo enlouquecidamente com satanás; e temo que jamais conseguiremos reaver a
história de nossas irmãs que têm sido queimadas todos esses anos.
1. Freud em 1933, A feminilidade – Novas
conferências introdutórias a psicanálise.
2. Isabelle Anchieta, As bruxas e as
faces do feminino – Psicologia do feminino, edição especial da Mente e Cérebro.
3. Winnicott em 1989, A família –
Tudo começa em casa.
Sobre a autora: Rach é psicóloga, tem tentado ser escritora e vive na internet desde que isso tudo era capim. Quando criança, perguntou certo dia a sua mãe porque ela dizia "não vou colocar meus filhos homens para lavar a louça se tenho uma moça em casa", e depois de tantas outras perguntas sem resposta, se apaixonou pela bruxaria, se indignou com o machismo e se descobriu feminista.