quinta-feira, 19 de maio de 2016

Ela é só mais uma Maria que não quer mais ser silenciada.

Ela nasceu do monturo.
Pobre, preta, desnutrida e sem expectativa de futuro.
Pensando bem,
O seu futuro estava mais que definido.
Ser serva do senhor branco, depois do marido.
  
Aos cinco, foi violada na alma,
Mas ainda assim, tinha que manter-se calma.
“Não diga nada, viu bichinha?
Se falar  vai se dar mal,
Bico calado, ou senão será fatal!”

Assim como havia sido determinado,
Aos nove estava cumprindo o seu legado.
“Tu não prestas pra nada, menina!
Mas trabalhe para mim,
Que te dou roupa usada e comida.
E faça tudo direito, sua mal agradecida!”

Porém, por gostar de aprender,
Ou mesmo por teimosia,
Gostava de ir à escola, lá era gente.
Ela sentia.

E decidiu que seria assim.
Trabalhava aos sábados, domingos e feriados.
Mas, com uma condição:
Da escola não abriria mão.

E mesmo sem acreditar
Que teria um futuro decente,
Aprendeu a sonhar em ser gente.

E graças aos seus professores,
Descobriu que era possível.
Mas precisava de luta ,
Pra deixar de ser invisível.

Além das barreiras internas
É preciso desconstruir a mente de quem governa.
Pois, basta um só argumento
A favor do Movimento,
Para escutar um:
“Eeei! Pare ser vitimista!”
Grita o branco fascista.
É só estudar,
Ter força de vontade
Basta escolher,
Estão aí às oportunidades.

Não aguento mais tanto mi mi mi!
È só trabalhar pra conseguir.
Esses programas sociais
Tem mesmo que acabar,
Isso só serve de desculpa
Pra pobre não trabalhar.

Ela ainda sente medo
Quando tem que se expressar,
Mas sabe que pra se tornar gente,
Não pode mais silenciar,
E então diz: não senhor!
Não me venha com o seu papo de meritocracia,
Força de vontade não combina com barriga vazia.
Não venha deslegitimar a minha luta.
Saia da frente, com esta sua conduta!
Porque neste caminho que estou a trilhar,
Tem mais mulheres, negras, feministas, empoderadas,
Querendo passar.



Sobre a autora:  Deuseli Chagas é psicóloga clínica, nordestina, negra, feminista em construção.  Não é poetisa, mas de vez quando gosta de brincar com as palavras.

2 comentários:

  1. Ironicamente, essa obra de arte com palavras me deixou sem elas. Quem não tem capacidade de entender e senti-lo, não merece ler.

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  2. Muiitooo forteee! Muitas irmãs se sentirão representadas. Apesar de muita dor tem muita força e coragem, essa mistura PODEROSA que vamos emanando para o feminino. Salve! Axé!

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