quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O dia que não acabou...

Foto da Manifestação Dia 13/12/2016 - Arquivo pessoal


Dia 13 foi um dia fatídico, repleto de significado. Foi o dia que desiludimos do sonho de viver em uma Democracia.
A repressão da manifestação deixou claro que só é possível se manifestar neste país se sua visão de mundo estiver alinhada com a ideologia denominante.
E, sim, foi repressão o que ocorreu na Esplanada dos Ministérios. Os grupos contrários ao projeto de governo foram massacrados, numa tentativa covarde de coibir os protestos. A mídia como sempre cumpriu seu papel de manipular a população e encobrir o Governo.
Os manifestantes contrários a proposta e ao governo são sempre taxados pela grande mídia de baderneiros, vândalos e comunistas. Já os que possuem uma visão alinhada, por outro lado, são cidadãos, ou os paneleiros de verde e amarelo - como chamamos carinhosamente, cuja indignação é justificada, é pelo bem do país. 
O engraçado é que os paneleiros, nada mais são do que se autointitulam cidadãos de bem (e tenho horror a eles), aqueles que acreditam que bandido bom é bandido morto, que a mulher é uma encubadora em potencial e que merece morrer ou ser presa se decidir exerceu seu direito de escolha, insinuam que as cotas são imorais, acreditam na Meritocracia. São aqueles que não tem nada contra homossexuais, negros e mulheres, mas....
Aos cidadãos de bem, a polícia está ali para o suporte, pois eles servem para manutenção do Status quo, eles são a massa de manobra que a mídia utiliza para controlar os eventos sociopolíticos do país.
E são constituídos de dois tipos de pessoas: a classe média alta, que está cansada de pobre e negro fazendo faculdade, viajando de avião e doméstica de carteira assinada, que pensa sempre no próprio umbigo e está preocupado é se vai ou não conseguir ir à Disney esse ano. A outra parte é composta pelo cidadão médio, aquele que adentrou à classe média e se sente integrante deste grupo, mas que obviamente ainda não percebeu que seu destino é voltar a classe pobre. São os famosos oprimidos que sonham em ser opressores e por isso, sustentam a visão de mundo da classe dominante e são rápidos em julgar e culpabilizar a esquerda. 
Aos manifestantes, a polícia está ali para reprimir, descer a porrada e alimentar a imagem negativa de quem tenta fazer algo pelo país. E assim, o governo e a mídia conseguem o que quer, manipular parte da população para servir aos seus propósitos.
Dia 13 foi o Climax de uma história que se iniciou em 2003, com a eleição do Partido dos Trabalhadores para o Cargo antes ocupado pelos Senhores da Casa Grande. E que significativo que nossa maior derrota tenha sido em um dia de número 13.
Em 2003 quando o Partido dos Trabalhadores assumiu a Presidência da República, assumiu o desafio de governar para os mais pobres, sem que isso significasse romper com a elite. É fato que o poder aquisitivo cresceu ao longo da era PT, que conseguiu implantar os programas sociais como nenhum outro governo tinha conseguido fazer. Com a renda aumentando, os benefícios de transferência de renda entrando em foco, a Direita começou a se ressentir, pois perdia pouco a pouco sua distância da classe dominada. A classe trabalhadora teve um ganho financeiro real, mas não teve ganho ideológico. O partido passou a governar para atender a institucionalidade política e se esqueceu da formação ideológica de base da sociedade e do povo. 
Os movimentos sociais tiveram a falsa ilusão de que a esquerda estava no poder e relaxaram em cobrar e se colocar como oposição, com isso abriu espaço para que outros movimentos conservadoristas ganhassem adeptos. 
Todas as acusações, a corrupção trouxe um fardo para a esquerda que sucumbiu ao seu peso. A direita sempre foi corrupta, todos sabíamos, mas a esquerda foi mais atingida, porque nossa decepção foi maior.
Com todos esses golpes (que ironia) sofridos, a Direita estava pronta para dar o golpe certeiro e sua estratégia foi melhor, eles aproveitaram da crise que era mundial, da nossa decepção com a esquerda e da mídia que desejava que a Direita retomasse seu projeto neoliberal. Eles inflamaram os grupos que nunca admitiram os ganhos sociais e essa fórmula foi o suficiente para implodir o País.
A direita conseguiu implantar o seu programa neoliberal, que é a política dos bancos, dos empresários, que beneficia a elite a custa da exploração do trabalhador. Deram inicio a vários retrocessos, atacando pontos essenciais da Constituição de 1988, já falei um pouco sobre os direitos humanos adquiridos na constituinte aqui. A PEC 55, votação ocorrida no dia 13, ataca a espinha dorsal da Constituição Federal que é o Estado Social.

Infelizmente, os movimentos sociais não foram rápidos o suficiente em se organizar, enquanto classe. Mas agora é urgente a organização para que possamos continuar a resistir, pois tempos sombrios virão.


Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida, atua na área de Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Nossa responsabilidade nas ocupações dos estudantes.

Centro de Ensino Médio 414 de Samambaia
Esse texto é dirigido a todos aqueles que já batalharam as guerras da juventude, e com a companhia de suas cicatrizes dessa fase, vivem seguros em terras calmas da aceitação proporcionada pela vida adulta.

Sim, nós conseguimos! Estamos em terras calmas, previsíveis e graduamos enquanto seres humanos pacíficos e compreensíveis. Não iremos mais nos rebelar, nossos pais estavam certos, as coisas são como elas são e não iremos mudar o mundo. E antes dos gritos de conformistas que logo irão soar, peço que entendam que é que batalhas cansam demais, assustam demais, trazem insegurança e dor. Refugiados na vida adulta, aceitamos as imposições desse novo estado, como quem que não sente-se autorizado a mudar o jogo que pegou na metade.

No entanto, vocês lembram como era lindo o país da juventude? Nossa pátria amada que, mesmo com tantos conflitos, prometia tanto e tanto? Todos nós saímos vivos de lá por motivos diversos, mas ele continua ali, companheiros expatriados. Batalhas são travadas todos os dias, jovens caem aos montes, alguns com cicatrizes, outros sem vida.

Hoje, gostaria de falar sobre a batalha que nossos jovens secundaristas e universitários estão enfrentando. Há um tempo assistimos eles lutando por ideais diversos, com uma força que até espanta, e recentemente eles engajaram em uma luta por toda a população e por aqueles que estarão no lugar deles no futuro. Eles lutam contra o congelamento na saúde e educação e o engessamento do ensino médio.

Recentemente, Ana Júlia, jovem secundarista que representou a União Brasileira de Alunos Secundaristas (UBAS) em uma reunião com parlamentares em Curitiba, falou da luta que eles estão enfrentando, seus ideais e motivações. E com uma dose maior de coragem, ela também falou da fragilidade da juventude, do enorme esforço que eles precisam fazer para entender o que está acontecendo, e de construir uma visão a respeito do contexto social.

E qual nossa responsabilidade diante disso? Nós já lutamos nossas lutas, nosso modo de batalhar é diferente agora, não vamos sair por aí ocupando escolas. E não vamos mesmo! Não podemos dizer pelo o que e como os jovens vão lutar, a escola é deles e são eles que tem que ocupar, mas nós somos responsáveis sim! Resta a nós, experientes em batalhas, que proporcionemos um espaço seguro e acolhedor para que o jovem faça a revolução deles.

Milhares de escola no Brasil estão ocupadas. Reforço o convite dos secundaristas e dos estudantes dos IF’s: visitem uma escola ocupada. Levem água, comida, distração, compreensão e escuta. Levem amor, acolhimento e força. Levem encorajamento, ambiente e reconhecimento. Deixo aqui o link da lista das escolas ocupadas, e descrevo abaixo as escolas no Distrito Federal que estão ocupadas no momento.

Entre em contato pela page do Resistência Feminina para saber pontos de arrecadação para as ocupações.

Escolas e IFBs ocupadas no Distrito Federal:

·         Brasília - CEM 304 Samambaia
·         Brasília - CEM Setor Oeste
·         Brasília - CED 01 de Planaltina
·         Brasília - CED Gisno
·         Brasília - CEM 111 do Recanto das Emas
·         Taguatinga - CEM TN
·         Brasília - CEM Elefante Branco
·         IFB Estrutural
·         IFB Planaltina
·         IFB Riacho Fundo
·         IFB Samambaia
·         IFB São Sebastião


Sobre a autora: Rach é psicóloga, tem tentado ser escritora e vive na internet desde que isso tudo era capim. Quando criança, perguntou certo dia a sua mãe porque ela dizia "não vou colocar meus filhos homens para lavar a louça se tenho uma moça em casa", e depois de tantas outras perguntas sem resposta, se apaixonou pela bruxaria, se indignou com o machismo e se descobriu feminista.


terça-feira, 5 de julho de 2016

Direitos Humanos: os seus, os meus e os nossos...

Há muito tempo queria falar sobre Direitos Humanos, porém sempre que cito tal termo, aparece algum grupo querendo fazer uma fogueira de mim em praça pública e acho que não ficarei tão bem se virar churrasquinho.
O fato é que isso sempre me trouxe muitos incômodos, pois obviamente não estamos nos entendendo e nem fazendo nos entender quando o assunto é Direitos Humanos.
Dito isso, acho importante situar o leitor do que se trata esse bicho de sete cabeças, e nada mais esclarecedor do que começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Artigo 1 º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para os outros em espírito de fraternidade" 

Lá em 1948, a necessidade de todos os homens serem iguais em dignidade e em direitos já era discutida. E parece muito óbvio quanto pensamos na frase escrita. Mas será que é tão óbvio na prática? Deixo essa pergunta para reflexão até o final do texto.

Importante ressaltar que os Direitos Humanos são princípios e direitos que juntos representam a defesa e a promoção da dignidade da pessoa humana. Sendo fundamental lembrar que cada individuo, grupo ou comunidade tem o direito de acessar os direitos, redundante né?! Mas não tão óbvio assim, quando nos deparamos com questionamentos acerca de cotas, de políticas de transferência de renda, de veto de direitos a grupos minoritários, e, claro, quando lidamos com forças constantes no congresso que eliminam direitos.
Vem comigo então, e vamos pensar na construção de Direitos e Garantias, pois diferente do que muita gente parece acreditar, Direitos Humanos tem a ver com acesso a qualquer tipo de direitos. Por exemplo, você gosta de ter carteira assinada? férias? 13º? saiba que esses são direitos adquiridos através da luta de movimentos sociais que representam os setores que defendem os temidos Direitos Humanos.
Pra quem não sabe, nossa Constituição foi inspirada nos princípios iluministas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. E não pretendo dar uma aula sobre Direito Constitucional, porque Oi?! sou Psicóloga e não formada em Direito. Mas acredito que todo mundo deveria conhecer a construção de sua Constituição, isso certamente eliminaria alguns maus entendidos e nos faria ficar mais atentos a perda de direitos e ao processo que foi conquistá-los.
O fato é que os direitos e garantias que hoje temos foram criados a partir dos preceitos da revolução francesa, portanto, os Direitos de primeira geração, isto é, aqueles que dizem respeito as liberdades individuais, como liberdade à vida, propriedade, liberdades públicas, são direitos civis e políticos e fazem a ponte com o principio da Liberdade, obviamente. Os Direitos de segunda geração, correspondem a um Estado Social e são aqueles ligados à saúde, educação, alimentação e temos o princípio da Igualdade. E temos também os direitos de terceira geração, correspondentes aos direitos transindividuais ou difusos, são direitos sem individualizações e dizem respeito a uma série de pessoas que partilham de certas condições. Aqui entra o princípio da fraternidade  e diz respeito ao Estado Democrático, e os direitos de que falamos são aqueles como o direito ao meio ambiente, paz, progresso, direito do consumidor e por aí vai. Claro, que tem muito mais coisa, inclusive tem os que defendam que existem direitos de quarta geração que corresponderiam aos avanços tecnológicos, como a manipulação genética, a própria democracia, o pluralismo e o direito à informação. E me perdoe os juristas de plantão pelo simplismo.
Enfim, a Democracia é por excelência o regime promotor de Direitos Humanos, isso porque os princípios que a fundamentam são os mesmos que instituem os Direitos Humanos. Aliás, falando em princípios e valores e todas essas coisas.  
Importante lembrar para alguns Estados que o Brasil é regido pelo principio da Indissolubilidade do Vínculo Federativo. Qual é gente, só eu morro de rir com os movimentos separatistas? Gente, isso significa que o Brasil não admite o direito de secessão. Isto é, a separação dos Estados. O choro é livre.
O que não tem necessariamente a ver com nossa conversa, mas queria falar assim mesmo.
Na verdade, o que queria trazer era o fato de que nossa Constituição traz algumas finalidades essenciais para o Estado, e vou ressaltar duas, pois servem aos meus propósitos:

Erradicar a pobreza e a marginalização e diminuir as desigualdades; Promover o bem de todos sem preconceitos (origem, raça, cor, sexo, idade).

Todos os princípios, finalidades, direitos e garantias e até mesmo os deveres em nossa Constituição buscam concretizar na prática um dos valores essenciais: A dignidade da Pessoa Humana.
Então por qual razão ou circunstância, é tão difícil aceitarmos que uma política de transferência de renda, não é esmola, é uma forma de tentar erradicar a pobreza e diminuir as desigualdades sociais; E ao contrário do que alguns setores da sociedade insistem em dizer, o Bolsa Família é uma das políticas mais aplaudidas no mundo para erradicação da miséria no país; 
Eu trabalhei com famílias em contexto de vulnerabilidade social e posso dizer, que aqueles setenta reais que vocês insistem em chamar de esmola é a diferença entre uma criança ter  e não ter o que comer, é a diferença entre ela estar na escola ao invés de estar no lixão ajudando a família a pôr comida na mesa. 
O que me leva a questionar, por que é tão difícil aceitar que grupos minoritários recebam os mesmos direitos que você, branco, privilegiado, sempre teve?
Os Direitos Humanos amplia e transforma seu objeto a cada nova conquista social, todas as conquistas sociais são em essência uma luta por Direitos Humanos.
Já dizia Hannah Arendt: A essência dos Direitos Humanos é o direito de ter direitos.

Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida, atua na área de Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.



domingo, 26 de junho de 2016

A dor de ser mulher

Suzane querendo saber como é ficar sem ar. A gente já sabe Suzane, nos esmagam todos os dias.
Suzane de Orange Is The New Black, retirada do google.

Este era um texto é um texto extremamente pessoal, mas o que não o impede de ser coletivo.

Há quase um ano atrás eu havia terminado de escrever um ensaio para minha aula de Lacan, onde falaria sobre a falta e a maternidade, tema que escolhi diante das leituras que realizamos no decorrer do curso e em razão a minha escolha de tema de monografia.

Naquele momento, uma porrada de teoria me fez sentir algo tão sem palavras eloquentes (ou sem elegância, como criticaram algumas vezes da minha redação), que ardia em meu peito não poder caber no ensaio os meus sentimentos. O que os teóricos da psicanalise (que eu li) dizem como a ausência/falta do falo/pênis/poder, para poder explicar a condição humana diante da realidade compartilhada e para justificar a diferença de funcionamento entre homens e mulher, não compreende a dor que eu sinto e que vejo em outras mulheres.

Então o lance vai ser o seguinte, eu vou me contentar que a parte teórica eu já cumprir, e já entreguei todos os benditos trabalhos que o modelo acadêmico exige. Aqui queria comunicar, e até desabafar, com palavras pouco elegantes e muito coloquiais o que eu sinto. Eu sei que preciso de um ponto de partida, pois não quero deixar ninguém perdido, mas a única coisa que consigo pensar seria um spoiler, então perdão.

retirado do netflix, foi mal.
Acabei de assistir Orange Is The New Black, e a cena em que a Taystee anda pelos corredores gritando me fez subir na cama e relembrar todos os sentimentos que me tomaram ao escrever o bendito do ensaio. Taystee gritava que diziam que um guarda era vítima, enquanto nem mencionavam o nome de sua colega que havia sofrido uma coisinha que não vou contar, mas arg AAAAAAAAAAAH. Não saber o meu nome, era o que causava um nó em minha garganta todos os dias em que tinha que esperar ônibus depois das 23h e ficava morrendo de medo de algum homem aparecer e me estuprar e/ou matar, pois todo o desamparo que sofria se resumia para mim na falta de reconhecimento da minha existência.

Uma pequena e deselegante pausa aqui. OITNB é uma série que eu assisto justamente pelos conflitos que giram em torno das mulheres, e que eu explicaria há um dia atrás que o meu envolvimento com a série se dava pela empatia que eu sentia diante das personagens. No entanto, pessoal, empatia é quando você consegue se colocar no lugar do outro; mas quando a dor que você sente é a mesma dor que a outra pessoa está sentindo, isso se chama identificação.

Eu, Raquel Caldeira Lima, 27 anos, moradora da Ceilândia no Distrito Federal, estou declarando em público que me identifico com a imagem produzida por Jenji Kohan, através da série ‘Orange Is The New Black’, baseada no livro de Piper Kerman, de presidiárias de algum lugar de Nova York. E eu sou bem diferente das mulheres representadas.

Agora, o que tem a ver a castração psicanalítica, uma série do netflix e o título do post? Simples, o que faz com que eu me identifique com a série é a dor sobre a qual ela fala. Mulheres, desde muito cedo nós descobrimos algo que nos faz cair do paraíso, e temos que lidar com isso como se fosse a maior das dádivas divinas. Descobrimos que nós não... Poderia colocar aqui inúmeros exemplos de não, mas eles me fariam perder o foco, que é somente a palavra não.

Traduza da forma que quiser (a psicanálise traduziu como falo, e no auge da minha revolta acho que é para dizer que as mulheres nunca vão poder ter esse poder 8D, afinal não a maioria não pinto né?), mas nós descobrimos que não temos algo que nos permita existir sem precisar de uma elaborada habilidade criativa. Não que não tenhamos inatamente, mas a sociedade não enxerga em nós esse algo e não nos permite existir. A dor de ser mulher é a dor da impotência diante as imposições dos desejos do outro, a dor de não ser reconhecida e nem considerada, a dor de ser subjugada, a dor de ter tantas visões limitadoras tidas como padrões de comportamento feminino, e tantos e tantos e tantos e tantos e tantos nãos.

Estou tão cansada de ver e sentir essa impotência imposta, pois nem tentar nos é permitido. Das mulheres são esperados que elas suportem tudo, mas que não possam nada, que tudo bem acontecer as inúmeras atrocidades e desumanidades que acontecem conosco, afinal somos frágeis e esse sofrimento vai acontecer de uma forma ou de outra, nunca iremos reagir, iremos entender e sequer pensam que algumas vezes podemos ser as contraventoras. Esse não é vivido diariamente e apertado nossa ferida, colocando sal a cada vez que achamos que iria curar.

Estupro;
Violência obstetrícia;
Gravidez indesejada;
Violência doméstica;
Assedio moral;
Assedio sexual;
Desigualdade salarial;
Violência social;
Generalizações incapacitantes;
Estereótipos que difamam;
Culpas diversas...

Precisamos nos unir, gritar não umas com as outras, mas gritar para que escutem nossa voz, até que nossa existência não possa mais ser ignorada. Até a dor passar.

Sobre a autora: Rach é psicóloga, tem tentado ser escritora e vive na internet desde que isso tudo era capim. Quando criança, perguntou certo dia a sua mãe porque ela dizia "não vou colocar meus filhos homens para lavar a louça se tenho uma moça em casa", e depois de tantas outras perguntas sem resposta, se apaixonou pela bruxaria, se indignou com o machismo e se descobriu feminista.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Camila, Camila....Você sabia que essa é uma música sobre relacionamentos abusivos?

                        Imagem retirada do site: http://cnq.org.br/noticias/mais-de-300-mil-mulheres-foram-vitimas-da-violencia-no-brasil-em-2014-f9e4/


Primeiro, tenho que confessar: eu sempre odiei essa música, com todas as minhas forças e de todo o meu coração. Eu tenho licença poética pra isso, eu me chamo Camila e desde que me entendo por gente é sempre a mesma irritante piada: Eu me apresento e a pessoa canta: Camilaaa, Camilaaaa.
Depois de um tempo me resignei com a piada cantada e passei a constranger as pessoas com a pergunta: Você sabia que essa é uma música sobre abuso?
Verdade seja dita, quando era criança não tinha conhecimento disso, mas com o passar dos anos e com a  minha necessidade de conhecer e questionar, sim, eu posso ser bem irritante, fui buscar a história da música. E claro, hoje eu já não odeio a música, pois entendo a importância dela.
A música "Camila, Camila" foi escrita no ano em que eu nasci, lá em meados de 1985. Fez muito sucesso na década em questão e é provavelmente uma das músicas, senão a música, mais conhecida do grupo até hoje.
O próprio vocalista da banda Nenhum de Nós, Thedy Corrêa, já deu diversas entrevistas sobre o assunto e contou que a música é baseada numa história real. Segundo ele, uma garota que eles conheciam passava por uma situação de abuso e violência no relacionamento e eles decidiram fazer a música como uma crítica social à violência contra a mulher.
Não acredita? Vem comigo ler a Letra então:

Depois da última noite de festa
Chorando e esperando amanhecer, amanhecer
As coisas aconteciam com alguma explicação
Com alguma explicação

Depois da última noite de chuva
Chorando e esperando amanhecer, amanhecer
Às vezes peço a ele que vá embora
Que vá embora

Camila
Camila, Camila

Eu que tenho medo até de suas mãos
Mas o ódio cega e você não percebe
Mas o ódio cega

E eu que tenho medo até do seu olhar
Mas o ódio cega e você não percebe
Mas o ódio cega

A lembrança do silêncio
Daquelas tardes, daquelas tardes
Da vergonha do espelho
Naquelas marcas, naquelas marcas

Havia algo de insano
Naqueles olhos, olhos insanos
Os olhos que passavam o dia
A me vigiar, a me vigiar

Camila
Camila, Camila

Camila
Camila, Camila

E eu que tinha apenas 17 anos
Baixava a minha cabeça pra tudo
Era assim que as coisas aconteciam
Era assim que eu via tudo acontecer

A música trata de um relacionamento abusivo e faz referência ao ciclo da violência, a submissão e ao isolamento a que normalmente as vítimas de violência doméstica estão expostas. 
Muitos anos se passaram desde que a música foi escrita, muita gente sequer sabe que a música trata sobre esse tema, a crítica social acabou se perdendo. Por isso, hoje decidi lembrar que "Camila, Camila" trazia esse assunto delicado lá em 1985 quando pouca gente se atrevia a falar sobre o assunto. E é uma importante reflexão sobre relacionamentos abusivos. 
E quando estava pensando sobre a música, me lembrei de um texto fantástico que li nos anos 2000, num blog de uma também Camila, o texto se chama: O monstro em mim, vou deixar o link e vale muita pena ler.
Aliás, já que estamos no tema, Rose Madder do Stephen King também fala sobre violência doméstica, claro em sua narrativa fantasiosa e de terror psicológico que só o mestre sabe fazer, mas ainda assim trata sobre isso. Vou deixar um trecho do livro que também traz um pouco desse universo simbólico do ciclo da violência, a personagem central: Rose, vivenciou todas as formas de violência em seu casamento com um policial, que segundo ela, sabia como bater. 

"Foram 14 anos de inferno...na maior parte dos anos, ela existiu num nevoeiro tão espesso como a morte e em mais de uma ocasião ela teve certeza de que sua vida não estivesse acontecendo (...) tal ideia lhe ocorria com mais frequência quando ele a espancava tanto que era obrigada a ficar de cama. Mergulhara nesse inferno aos 18 anos, acordando de um torpor um mês após o seu 32º aniversário. O que a despertou foi uma única gota de sangue no lençol que ela acabara de trocar."

No livro a personagem fica tão mortificada ante a necessidade de trocar o lençol e não ter um lençol limpo, que decide fugir desse marido, pois sabia que ele ficaria furioso por ela ser tão relaxada. No começo do casamento ele a mordia, deixava marcas e ela achava que eram mordidas de amor, depois veio os murros, nunca no rosto, pois ele sabia como bater. Ela teve suas costelas quebradas, perdeu dentes, sofreu abortos, mas pensava, eu aguentei até aqui, posso aguentar mais um pouco. Isolada da família e casada com um policial, quem acreditaria nela se ela fosse a delegacia? E assim ela prosseguiu com seu casamento. Foi apenas uma gota de sangue no lençol, uma gota que a fez perceber que provavelmente dessa vez ele a poderia matar.

Sou suspeita em falar de King, pois eu apenas amo, leio tudo que ele já produziu, bom ou ruim. Ele tem vários livros que abordam determinados aspectos do ser humano, como o Iluminado - o mais conhecido, que fala sobre o alcoolismo e também sobre violência doméstica, aliás, o Iluminado é talvez o livro mais autobiográfico dele e fala sobre a sua própria experiência com a bebida. Jogo Perigoso - que trata sobre abuso infantil, dentre vários outros. Como ele costuma dizer: Monstros existem, eles vivem dentro de nós e às vezes nos vencem.

E quanto a vocês, conhecem obras que tratam sobre o tema de forma autêntica e honesta?

Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida, atua na área de Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.

domingo, 12 de junho de 2016

A tendência de grupo e o estupro

Sim, ainda precisamos falar de estupro. 

No fim de maio as notícias se voltaram para o apavorante destino de uma jovem de 16 anos, estuprada coletivamente enquanto estava desacordada. Desde então, diversos outros casos de estupro de vulnerável foram noticiados; isso pelo enfoque que a mídia tem dado (sim), pelo identificação que proporcionou a outras vítimas e as incentivou a denunciar a violência que sofreram (também), mas ainda pela influência que o grupo social exerce sobre o indivíduo (perigosamente). 

De forma simplificada, o grupo constitui um conjunto de pessoas que compartilham crenças, ideologias e hábitos, que abrem mão de aspectos que os individualizam para que assim funcionem enquanto um coletivo. Todos nós compartilhamos com outros semelhanças e nos fundamentamos pelo pensamento disseminado entre os membros do grupo a qual pertencemos. 

Se imaginarmos um shopping, podemos visualizar como o grupo social funciona. Não existem muitas diferenças entre os membros de um grupo de jovens adolescente quando estão em suas atividades coletivas, e o discurso compartilhado por eles chega ao absurdo de uniformidade. Assim como o comportamento das famílias, namorados, mulheres e homens se assemelham em cada grupo que pertence (ex: casais de namorados tendem a compartilhar os mesmos hábitos que outros casais ao passear por entre as lojas do shopping. 
Os adultos não parecem tão influenciáveis pelo seus grupos, pois suas possibilidades de identificação social são mais ampliadas, com grupo de trabalho, faculdade, novo grupo familiar, mais recursos sociais e psíquicos. Ou seja, mesmo que não esteja tão obviamente identificado com o grupo a qual pertence, o indivíduo adulto também sofre a influência massiva do grupo social.

Então, mas o que isso tem a ver com o estupro? 

Como vimos em nosso último texto A cultura do estupro e a culpabilização da vítima, por trás de cada estupro existem crenças e hábitos que fundamentaram o pensamento do agressor e reforçaram o seu comportamento, inclusive legitimando o seu direito ao estupro da vítima. A cultura que o mantém é transmitida justamente pelo grupo social, como pessoas que assistem um certo tipo de programa televisivo tendem a compartilhar o mesmo pensamento a respeito dos personagens,

Parece surreal que um simples pensamento possa resultar em um estupro? Então observe as seguintes notícias sobre estupro coletivo dada nos últimos oito dias: 



Quatro casos em oito dias, com suas diferenças, mas que compartilham do uso da vulnerabilidade da vítima para estuprá-la. Quatro cantos diferentes do país, mas que compartilham o mesmo ato opressivo e violento. O estupro coletivo, principalmente, mostra como o grupo é poderoso. No caso do Rio de Janeiro, foram 33 homens cometendo um ato horrendo, sem que nenhum tivesse a lucidez de pará-lo. Isso porque, naquele momento, eles funcionavam com um único pensamento: o direito de uso do corpo de uma mulher ou criança que o discurso machista, compartilhado pelos grupos sociais, legitima. 

Há, de forma crescente, uma tendência perigosa nos grupos que ameaça a vida de mulheres, a tendência de por em prática e justificar  todos os:

Sexo frágil
Falta de dar
Corpo e delito
Mas também, ela...
Cu de bêbado não tem dono
Mulher não pode sair sozinha
Mas se é marido, não é estupro
Mulher é difícil, tem que insistir
O homem tem suas necessidades
O homem é violento por natureza
O homem tem que dominar a relação
Se alguém a estuprar vai estar fazendo um favor

E eu questiono: como o grupo social do qual você faz parte tem reforçado a cultura do estupro? O que você tem feito para influenciar os grupos que você pertence?


Leia também: A cultura do estupro e a culpabilização da vítima | Estupro, uma arma de guerra | Um breve histórico da sexualidade feminina



Sobre a autora: Rach é psicóloga, tem tentado ser escritora e vive na internet desde que isso tudo era capim. Quando criança, perguntou certo dia a sua mãe porque ela dizia "não vou colocar meus filhos homens para lavar a louça se tenho uma moça em casa", e depois de tantas outras perguntas sem resposta, se apaixonou pela bruxaria, se indignou com o machismo e se descobriu feminista.





terça-feira, 7 de junho de 2016

A cultura do estupro e a culpabilização da vítima

                                          Imagem: arquivo pessoal (Marcha das Flores/2016)
   
Durante essas semanas, notei que muita gente tinha uma certa dificuldade em entender essa realidade violenta do estupro associada ao termo "cultura". Acabei lendo muito comentário estúpido para tentar entender qual era a real dificuldade, já que para mim isso é tão límpido quanto a água. Após análise, me dei conta que a dificuldade vinha da falta de compreensão da complexidade do termo "cultura". Por isso, acho válido trazer a definição social da palavra para então fazermos um reflexão sobre o assunto.
O termo cultura pode ser entendido sim como artes, literatura e todas as coisas boas decorrentes do processo de criação humana, afinal de contas, a palavra cultura vem de cultivar. Mas também tem a ver com ideologias, crenças e hábitos transmitidos socialmente, pois o que são as convenções sociais senão normas cultivadas na sociedade?!
E partindo do pressuposto de que a cultura se refere também à crenças e hábitos adquiridos, podemos pensar ainda no processo de interiorização de conceitos.
Já tratei em outro texto, mais precisamente no texto: As sufragistas e a importância da representatividade feminina, sobre a herança patriarcal da nossa sociedade. A posição que a mulher ocupa hoje na família, como eixo de sustentação do lar, e na sociedade demonstra claramente que nossa organização social veio das bases do pensamento patriarcal, pois assim como também já trouxemos em outros textos como Um breve histórico sobre a sexualidade feminina e Bruxa, o lugar da mulher foi modificado socialmente após a expansão do cristianismo e no nosso caso com a colonização europeia. Por isso, existe uma série de questões sócio-históricas que delegam a mulher o amadurecimento precoce, a responsabilização pela família e pelo lar e a culpabilização por não corresponder ao ideal social.
Já se perguntou porque dizemos que a menina já tem idade suficiente pra saber o que está fazendo, mas quando é um menino, dizemos que ele é só um moleque? As meninas são ensinadas a cuidar da casa, enquanto os meninos são ensinados a conquistar o que quiser. Dizemos as nossas filhas que quando um menino bate nela, é porque ele gosta dela, estabelecendo assim as bases para aceitação do abuso. E fazemos isso porque aprendemos assim. Aprendemos que não devemos usar saia curta, porque isso pode soar como provocativo para os meninos, que devemos agir de certa maneira porque mulheres devem agir assim, que não devemos sair à noite sozinhas, porque somos mulheres e podemos ser atacadas. Isso é cultura do estupro e ela tem bases históricas que levam a sociedade a culpabilizar a vítima.
Recentemente, tivemos declarações de um artista musical que assediou uma repórter publicamente e longe de pedir desculpa, justificou que era apenas um moleque de 21 anos. Também tivemos uma garota de 16 anos violentada, cuja violência foi exposta em vídeos, áudios e o escambau, mas bastou um dos acusados dizer que foi consensual que a palavra daquela garota foi desvalorizada. Os juízes das redes sociais foram rápidos e vasculharam a vida da garota a fim de encontrar um milhão de situações que justificavam a agressão sofrida, como se houvesse justificativa para tal ato. O crime dela: não corresponder a expectativa social. O crime dele: ser um moleque que não sabe o que diz.
Quando alguém diz que a cultura do estupro não existe ou que é invenção de 'feminazi', um unicórnio com certeza morre no reino da fantasia que tal pessoa criou. Porque a cultura do estupro é uma realidade e vivemos ela cotidianamente, talvez você não saiba no que ela consiste, talvez você a reproduza diariamente e nem perceba. O assédio é algo constante para mulheres, pois somos objetificadas pela mídia e obrigadas a nos comportar dentro de um padrão social. 
Quantas coisas você deixou de fazer por ser mulher? Eu gosto de correr, mas não corro a noite no parque, porque afinal de contas sou mulher e correr sozinha é sempre um risco, principalmente em lugares escuros. Talvez você goste de viajar, mas não o faz sozinha porque é mulher e mulheres não devem sair por aí.
Quantas vezes você mulher disse a sua filha, sobrinha ou agregadas pra não usar aquela saia por ser muito curta ou não usar aquele batom porque não é adequado para a idade dela? Eu sei e você sabe que só estava protegendo ela. Mas por qual motivo você precisa protegê-la?
E quanto a você homem, quantas vezes recebeu vídeos expondo mulheres e repassou como se isso fosse natural? Quantas vezes teve a decência de parar um amigo que estava passando da conta com uma garota na festa ao invés de julgá-la pela roupa que veste ou pelo grau etílico? 
Quando dizemos que todo homem é um potencial estuprador não estamos dizendo que nossos pais, amigos e irmãos são estupradores, embora temos consciência de que provavelmente eles também reproduzem a cultura do estupro sem perceber, pois foram ensinados que é assim que homens tem de agir. Estamos dizendo que se alguém se aproxima de nós, mulheres, num beco escuro, preferimos que sejam mil demônios a um homem. Porque temos medo e temos medo porque somos ensinadas a temer e não é por nossa vida que mais tememos, tememos por nosso corpo, tememos pela violência que subjuga a alma. Porque diferente do que a maioria parece acreditar, o estupro não tem a ver com libido, não é um impulso irrefreável ao qual o homem é acometido, o estupro é sobre poder, é sobre dominação. Não vou adentrar nesse tema, pois existe um outro texto aqui do blog sobre isso.
O fato é que precisamos desconstruir o nosso machismo de cada dia, pois ele tolda a vida de homens e mulheres, cujos papéis sociais estão pré-definidos. Precisamos parar de ensinar nossas crianças que homens e mulheres não são iguais na sociedade, eles tem diferenças biológicas, mas isso não significa que tem diferenças sociais. Quando Simone de Beauvoir diz que não se nasce mulher, torna-se mulher, ela não estava falando do biológico, mas da construção social.
Aliás, sempre que uma mulher diz que é contra o feminismo fico pensando: então ela é contra o direito de escolha? contra a equidade de gênero? ela acha que mulheres só tem valor se forem belas, recatadas e do lar? Ou talvez ela não saiba que o feminismo significa. Então só pra esclarecer: feminismo não é o antônimo de machismo. O machismo é uma estrutura social com bases que significam a vida a partir da relação de dominação e de expropriação dos corpos e autonomia das mulheres, o feminismo é uma ideologia que luta pela equidade de gênero. Por essas e outras que digo que falta sim amor no mundo, mas falta principalmente interpretação de texto e conhecimento. 

Mas enfim, precisamos parar de culpabilizar a vítima pela agressão ou violência sofrida, precisamos parar de buscar justificativas e começar a buscar meios de modificar a realidade em que vivemos. 


Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida, atua na área de Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Feminismo?














Feminismo é prática política,
Feminismo é movimento social.
È a luta por igualdade e equidade.
Numa sociedade patriarcal
Onde o homem sempre aborta
Mas se é mulher é imoral

Feminismo é direito de decidir
Ser do lar,
Do bar
Se quer parir.
É ter a opção de escolher:
Raspar,
Ou deixar o cabelo do sovaco crescer?

Feminismo é luta,
Pra que a piada que oprime  não seja engraçada.
Para que o delegado não pergunte,
O que a vítima estava usando foi estuprada.
Feminismo não é para os homens perderem seus direitos.
A nossa luta é por respeito.
Se você é alguém que preza por justiça,
Seja bem-vindo à luta feminista!



Sobre a autora:  Deuseli Chagas é psicóloga clínica, nordestina, negra, feminista.  Não é poetisa, mas de vez quando gosta de brincar com as palavras.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

A liberdade que encontrei no feminismo (desabafo)



Fênix: simboliza, também, o renascimento.

Semana passada foi um pouco duro ser mulher, não que desde "Eva" não seja, mas tal semana foi insuportavelmente cruel com nós mulheres... Foi a semana que nos deparamos com os horrores que a sociedade patriarcal causam: estupro, descrença, agressões, todo tipo de violência... Logo percebi que eu não sou mais a mesma, não consigo ri da mulher que e feita de chacota, não acho engraçado as piadinhas machistas, não desce a garganta as postagens culpando o funk, a roupa, a mãe, a avó, etc... A culpa é de TUDO, menos do estuprador (o macho)...  Os humoristas misóginos perderam a graça, os amigos machistas perderam a graça, algumas postagens perderam a graça, porque o alvo é sempre as minorias, onde não se tem muita voz, nunca se teve... Há tempos que não concordo com a maioria e isso causa incomodo, estranheza, sou tida como "problematizadora", como  "chata", "alienada"... Minhas crenças divergem, diverge da opinião de alguns grupos, diverge da família, diverge do senso comum... Percebi essa semana que mudei muito, mudei pra melhor, que compreendi o espaço que me foi dado desde que nasci e a importância que tenho em descontruir ele. A nós não foi dado nada, só descrença, somos subjugadas, amordaçadas, silenciadas e ainda há quem tenha dúvida da importância do feminismo... Não temos representatividade no espaço público, não temos voz no espaço privado, não temos ninguém ao nosso lado a não ser nós mesmAs. Me sinto mais angustiada, um pouco niilistas e bastante existencialista, porém me sinto livre, não tenho obrigação de falar nada pra agradar pessoas, não me importa ser aceita ou não, me importa dá voz as minorias e entre elas as mulheres! Avante manas e sempre juntas! O feminismo liberta (e descontrói).

Em tempo, deixei de seguir algumas pessoas nas redes sociais, me fez bem, muito BEM!
 
Sobre a autora: Tatiane Rafailov é Psicóloga Clínica, feminista e mãe. Adora cinema, séries e cultura POP. Nas horas vagas escreve bobagens, devaneios, poesias e coisas sérias para extravasar a difícil tarefa de ser e existir. 

domingo, 29 de maio de 2016

Estupro: uma arma de guerra

O estupro não é um ato sexual, mas um ato de violência. Um ato que ameaça a continuidade saudável da existência da pessoa que sofreu o ato, obrigada a prover um gozo da qual não participa, mas acima de tudo submetida aquém de sua vontade. 

 A arte da guerra é uma cultura disseminada ao redor do mundo por milhares de anos. Os conflitos entre diferentes grupos diferem em seus motivos, mas seguem uma lógica de dominação e soberania de um pensamento, território e diversos outras formas de expressar a superioridade de um grupo sobre o outro. Basicamente, há a intenção de destruir e/ou dominar um outro diferente através da expressão de um poderio ideológico, financeiro ou bélico, cabendo aos que sobram submeter-se ao vitorioso.

Dentre as armas que podem ser utilizadas daquele que tem maior poder, encontra-se o estupro. Durante muito tempo violar corpos esse ato tão cruel tem sido utilizado como forma de dominar o inimigo, e o crime de estupro durante tais situações não encontram em si números ou forma que possamos ter noção de sua dimensão, principalmente pelo silêncio das vítimas, que muitas vezes sentem vergonha e medo de fazerem a denúncia.

Vítima de estupro no Congo,
foi abandonado pela esposa
por ela não aceitar o que aconteceu.
Fotógrafo: Will Storr

Há um tempo atrás, li uma matéria no The Guardian, escrita por Will Storr, que dizia sobre uma arma secreta utilizada na guerra: o estupro de homens (link para a matéria em inglês: http://www.theguardian.com/society/2011/jul/17/the-rape-of-men), e traz um relato sofrido de um homem do Congo que em segredo sofre as feridas resultantes dos estupros que ele sofreu enquanto foi feito prisioneiro no conflito. Depois dessa matéria, li outros relatos chocantes de homens que quebraram o silêncio e contaram sobre a violência que sofreram enquanto foram feitos prisioneiros durante algum conflito. No topo da minha memória está a de um jovem mexicano, que durante os conflitos entre estudantes e a polícia mexicana foi levado como prisioneiro e torturado para fazer algum tipo de confissão, a violência sexual sendo utilizada como um dos métodos de tortura, e motivo pelo qual seu pai não o aceitou mais em casa.

Diante de todas as leituras percebi que o grande sofrimento dos homens que foram submetidos a violência do estupro estava na sensação de ser colocado em posição de vulnerabilidade diante de alguém que naquele momento detinha o poder sobre a vida deles. No caso descrito no por Will Storr, Jean Paul, a vítima de estupro que lhe conta o relato, diz que não conta a ninguém pois teme ser abandonado por sua família. Apesar de seu irmão o acompanhar as consultas médicas, ele confessa que o irmão não sabe da real violência que ele sofreu “Eu não quero dizer a ele. Temo que ele diga: ‘Agora meu irmão não é um homem’”, diz Jean Paul (nome fictício).

O maior medo desses homens que sofreram tais crimes é de que eles não possam mais exercer a masculinidade, que tenham se tornado pessoas vulneráveis, não sejam mais considerados fortes, que não possam mais prover uma família e que não sejam mais homens.

Ora, não seria esse o objetivo dos conflitos? Tornar o inimigo vulnerável e dominá-lo? Que ele não possa mais prover a si mesmo, que ele viva com medo e que esteja facilmente submetido ao poder do vitorioso? Os homens que sofrem essa violência traduzem esse sentimento de vulnerabilidade como “não ser mais homem”, não ter a virilidade que carregou durante tanto tempo, que supostamente o protegia da... inexistência?

Mesmo em tempos de “paz”, as mulheres são estupradas. O medo que os homens tem em conflitos e situação de encarceramento é o medo diário de todas as mulheres, como é dito por muitos ultimamente. No entanto, a questão que quero colocar aqui, e que para mim existe uma resposta ainda em construção, mas que pelo menos tem sido construída, é: Por que durante a guerra a arma de dominação é o estupro, e no cotidiano “pacifico” é prática cultural executada contra mulheres?
Talvez estejamos constantemente em guerra, e estamos sendo dominadas dia após dia, talvez a opressão do machismo seja bem maior do que eu imaginava ao lutar contra as imposições de conduta, talvez seja ameaça a nossa própria existência, pois a sensação que fica ao que dizem “temo que achem que não sou mais homem” é a de que na verdade querem dizer “temo que seja visto enquanto mulher, que eu não exista mais”.

Não, não é por não conseguir controlar seus instintos masculinos. Não, não é por ter entendido direito. Não, não é pela roupa, atitude, estado de consciência. O estupro é para dominar, para violentar a dignidade, para submeter, para marcar a sua superioridade, para marcar sua vitória na guerra. 

E sim, não ser estuprada é sorte.

Sobre a autora: Rach é psicóloga, tem tentado ser escritora e vive na internet desde que isso tudo era capim. Quando criança, perguntou certo dia a sua mãe porque ela dizia "não vou colocar meus filhos homens para lavar a louça se tenho uma moça em casa", e depois de tantas outras perguntas sem resposta, se apaixonou pela bruxaria, se indignou com o machismo e se descobriu feminista.






terça-feira, 24 de maio de 2016

Precisamos falar sobre relacionamentos abusivos...

 
Todas nós, infelizmente, já tivemos (ou estamos) em contato (dentro ou fora) com os relacionamentos abusivos.
Falar desse assunto, implica englobar as diversas formas relacionais as quais estamos envolvidas: familiar, conjugal, profissional, etc. Esse texto será direcionado as relações conjugais/amorosas.
Do meu ponto de vista (que é um ponto mesmo no infinito) percebo que naturalizamos violência como abusos físicos, porém o ato vai além...  O ministério da saúde dá por conceito de violência “o evento representado por ações realizadas por indivíduos, grupos, classes ou nações que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e ou espirituais a si próprio ou a outros", logo, para identificarmos uma relação abusiva, será necessário considerar a presença de inúmeros atos de violência, alguns quase imperceptíveis aos olhos, principalmente, da vítima.
Primeiramente é importante que se entenda que qualquer ação que tire sua liberdade é um ato de abuso. Quando seu companheiro (a) pede "carinhosamente" (ou não) para que você não vista aquela roupa, ou que não saia para aquele lugar sozinha, ou que não coloque aquele batom, ou que não ande com aquela amiga, aí está ocorrendo ABUSO, pois é tirado seu direito de escolha.
Há alguns sinais de alerta que nossos (as) companheiros (as) nos dão, mas que muitas vezes pela fragilidade emocional (ou outras questões) não percebemos. Um exemplo é a "difamação da ex": quando a pessoa culpa a antiga companheira de tudo que deu errado em seu antigo relacionamento, tirando assim a sua própria responsabilidade e facilitando a criação da, tão comum, rivalidade feminina... Nesse caso vale lembrar que a próxima "ex louca" será VOCÊ! Então é importante ter sororidade até mesmo nessas horas, questionar, tentar entender o contexto para não demonizar a mulher em um espaço que é ocupado por dois, afinal não se faz relacionamento com uma só pessoa.
Como identificar se você está em um relacionamento abusivo? 
Quando há presença de violência física ou sexual, fica claro que a relação é abusiva, mas quando ela é de cunho psicológico, simbólico ou financeiro (ou tudo isso junto) fica mais difícil de compreender ou aceitar que você é vítima de uma relação abusiva. Alguns passos que podem ajudar a identificar:
  1. Questione-se: pergunte a si mesma se você têm deixado de fazer coisas que você gosta, para não desagradar seu parceiro (a);
  2. Fique atenta ao discurso: tente perceber se alguns pedidos que são feitos a você implicam na perda da sua autonomia ou liberdade;
  3. Atente-se aos comportamentos do outro: perceba como a pessoa trata outras mulheres (mãe, irmãs, amigas), se as despreza, xingam ou tiram seu espaço de fala;
  4. Autoconhecimento: tente deixar suas emoções claras para você mesma, e perceba se você têm se sentido angustiada, com medo ou sozinha;
  5. Procure ajuda: se você constata que está em um relacionamento abusivo, procure ajuda psicológica e nas redes de apoio¹.
 



 
É preciso esclarecer alguns pontos:
  • Identificar uma relação abusiva não implica necessariamente que você terá que terminar seu relacionamento. Com o acompanhamento necessário, o casal pode ressignificar os papéis que ocupam na relação, transformando-o em um relacionamento saudável;
  • Os abusos não são exclusivos de relacionamentos héteros, eles estão presentes também nas relações homoafetivas;
  • O empoderamento é uma grande arma para o enfrentamento de qualquer tipo de violência.
Enfrentar uma situação difícil com apoio é muito mais fácil, ajudem as mulheres!
 

¹Livre de abuso é um projeto maravilhoso que é uma MEGA rede de apoio para as vítimas e para quem quer ajudar as vítimas de violência. Há também uma pagina do Governo Federal que vale muito a pena o clique Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher.
 
Sobre a autora: Tatiane Rafailov é Psicóloga Clínica, feminista e mãe. Adora cinema, séries e cultura POP. Nas horas vagas escreve bobagens, devaneios, poesias e coisas sérias para extravasar a difícil tarefa de ser e existir.