domingo, 26 de junho de 2016

A dor de ser mulher

Suzane querendo saber como é ficar sem ar. A gente já sabe Suzane, nos esmagam todos os dias.
Suzane de Orange Is The New Black, retirada do google.

Este era um texto é um texto extremamente pessoal, mas o que não o impede de ser coletivo.

Há quase um ano atrás eu havia terminado de escrever um ensaio para minha aula de Lacan, onde falaria sobre a falta e a maternidade, tema que escolhi diante das leituras que realizamos no decorrer do curso e em razão a minha escolha de tema de monografia.

Naquele momento, uma porrada de teoria me fez sentir algo tão sem palavras eloquentes (ou sem elegância, como criticaram algumas vezes da minha redação), que ardia em meu peito não poder caber no ensaio os meus sentimentos. O que os teóricos da psicanalise (que eu li) dizem como a ausência/falta do falo/pênis/poder, para poder explicar a condição humana diante da realidade compartilhada e para justificar a diferença de funcionamento entre homens e mulher, não compreende a dor que eu sinto e que vejo em outras mulheres.

Então o lance vai ser o seguinte, eu vou me contentar que a parte teórica eu já cumprir, e já entreguei todos os benditos trabalhos que o modelo acadêmico exige. Aqui queria comunicar, e até desabafar, com palavras pouco elegantes e muito coloquiais o que eu sinto. Eu sei que preciso de um ponto de partida, pois não quero deixar ninguém perdido, mas a única coisa que consigo pensar seria um spoiler, então perdão.

retirado do netflix, foi mal.
Acabei de assistir Orange Is The New Black, e a cena em que a Taystee anda pelos corredores gritando me fez subir na cama e relembrar todos os sentimentos que me tomaram ao escrever o bendito do ensaio. Taystee gritava que diziam que um guarda era vítima, enquanto nem mencionavam o nome de sua colega que havia sofrido uma coisinha que não vou contar, mas arg AAAAAAAAAAAH. Não saber o meu nome, era o que causava um nó em minha garganta todos os dias em que tinha que esperar ônibus depois das 23h e ficava morrendo de medo de algum homem aparecer e me estuprar e/ou matar, pois todo o desamparo que sofria se resumia para mim na falta de reconhecimento da minha existência.

Uma pequena e deselegante pausa aqui. OITNB é uma série que eu assisto justamente pelos conflitos que giram em torno das mulheres, e que eu explicaria há um dia atrás que o meu envolvimento com a série se dava pela empatia que eu sentia diante das personagens. No entanto, pessoal, empatia é quando você consegue se colocar no lugar do outro; mas quando a dor que você sente é a mesma dor que a outra pessoa está sentindo, isso se chama identificação.

Eu, Raquel Caldeira Lima, 27 anos, moradora da Ceilândia no Distrito Federal, estou declarando em público que me identifico com a imagem produzida por Jenji Kohan, através da série ‘Orange Is The New Black’, baseada no livro de Piper Kerman, de presidiárias de algum lugar de Nova York. E eu sou bem diferente das mulheres representadas.

Agora, o que tem a ver a castração psicanalítica, uma série do netflix e o título do post? Simples, o que faz com que eu me identifique com a série é a dor sobre a qual ela fala. Mulheres, desde muito cedo nós descobrimos algo que nos faz cair do paraíso, e temos que lidar com isso como se fosse a maior das dádivas divinas. Descobrimos que nós não... Poderia colocar aqui inúmeros exemplos de não, mas eles me fariam perder o foco, que é somente a palavra não.

Traduza da forma que quiser (a psicanálise traduziu como falo, e no auge da minha revolta acho que é para dizer que as mulheres nunca vão poder ter esse poder 8D, afinal não a maioria não pinto né?), mas nós descobrimos que não temos algo que nos permita existir sem precisar de uma elaborada habilidade criativa. Não que não tenhamos inatamente, mas a sociedade não enxerga em nós esse algo e não nos permite existir. A dor de ser mulher é a dor da impotência diante as imposições dos desejos do outro, a dor de não ser reconhecida e nem considerada, a dor de ser subjugada, a dor de ter tantas visões limitadoras tidas como padrões de comportamento feminino, e tantos e tantos e tantos e tantos e tantos nãos.

Estou tão cansada de ver e sentir essa impotência imposta, pois nem tentar nos é permitido. Das mulheres são esperados que elas suportem tudo, mas que não possam nada, que tudo bem acontecer as inúmeras atrocidades e desumanidades que acontecem conosco, afinal somos frágeis e esse sofrimento vai acontecer de uma forma ou de outra, nunca iremos reagir, iremos entender e sequer pensam que algumas vezes podemos ser as contraventoras. Esse não é vivido diariamente e apertado nossa ferida, colocando sal a cada vez que achamos que iria curar.

Estupro;
Violência obstetrícia;
Gravidez indesejada;
Violência doméstica;
Assedio moral;
Assedio sexual;
Desigualdade salarial;
Violência social;
Generalizações incapacitantes;
Estereótipos que difamam;
Culpas diversas...

Precisamos nos unir, gritar não umas com as outras, mas gritar para que escutem nossa voz, até que nossa existência não possa mais ser ignorada. Até a dor passar.

Sobre a autora: Rach é psicóloga, tem tentado ser escritora e vive na internet desde que isso tudo era capim. Quando criança, perguntou certo dia a sua mãe porque ela dizia "não vou colocar meus filhos homens para lavar a louça se tenho uma moça em casa", e depois de tantas outras perguntas sem resposta, se apaixonou pela bruxaria, se indignou com o machismo e se descobriu feminista.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Camila, Camila....Você sabia que essa é uma música sobre relacionamentos abusivos?

                        Imagem retirada do site: http://cnq.org.br/noticias/mais-de-300-mil-mulheres-foram-vitimas-da-violencia-no-brasil-em-2014-f9e4/


Primeiro, tenho que confessar: eu sempre odiei essa música, com todas as minhas forças e de todo o meu coração. Eu tenho licença poética pra isso, eu me chamo Camila e desde que me entendo por gente é sempre a mesma irritante piada: Eu me apresento e a pessoa canta: Camilaaa, Camilaaaa.
Depois de um tempo me resignei com a piada cantada e passei a constranger as pessoas com a pergunta: Você sabia que essa é uma música sobre abuso?
Verdade seja dita, quando era criança não tinha conhecimento disso, mas com o passar dos anos e com a  minha necessidade de conhecer e questionar, sim, eu posso ser bem irritante, fui buscar a história da música. E claro, hoje eu já não odeio a música, pois entendo a importância dela.
A música "Camila, Camila" foi escrita no ano em que eu nasci, lá em meados de 1985. Fez muito sucesso na década em questão e é provavelmente uma das músicas, senão a música, mais conhecida do grupo até hoje.
O próprio vocalista da banda Nenhum de Nós, Thedy Corrêa, já deu diversas entrevistas sobre o assunto e contou que a música é baseada numa história real. Segundo ele, uma garota que eles conheciam passava por uma situação de abuso e violência no relacionamento e eles decidiram fazer a música como uma crítica social à violência contra a mulher.
Não acredita? Vem comigo ler a Letra então:

Depois da última noite de festa
Chorando e esperando amanhecer, amanhecer
As coisas aconteciam com alguma explicação
Com alguma explicação

Depois da última noite de chuva
Chorando e esperando amanhecer, amanhecer
Às vezes peço a ele que vá embora
Que vá embora

Camila
Camila, Camila

Eu que tenho medo até de suas mãos
Mas o ódio cega e você não percebe
Mas o ódio cega

E eu que tenho medo até do seu olhar
Mas o ódio cega e você não percebe
Mas o ódio cega

A lembrança do silêncio
Daquelas tardes, daquelas tardes
Da vergonha do espelho
Naquelas marcas, naquelas marcas

Havia algo de insano
Naqueles olhos, olhos insanos
Os olhos que passavam o dia
A me vigiar, a me vigiar

Camila
Camila, Camila

Camila
Camila, Camila

E eu que tinha apenas 17 anos
Baixava a minha cabeça pra tudo
Era assim que as coisas aconteciam
Era assim que eu via tudo acontecer

A música trata de um relacionamento abusivo e faz referência ao ciclo da violência, a submissão e ao isolamento a que normalmente as vítimas de violência doméstica estão expostas. 
Muitos anos se passaram desde que a música foi escrita, muita gente sequer sabe que a música trata sobre esse tema, a crítica social acabou se perdendo. Por isso, hoje decidi lembrar que "Camila, Camila" trazia esse assunto delicado lá em 1985 quando pouca gente se atrevia a falar sobre o assunto. E é uma importante reflexão sobre relacionamentos abusivos. 
E quando estava pensando sobre a música, me lembrei de um texto fantástico que li nos anos 2000, num blog de uma também Camila, o texto se chama: O monstro em mim, vou deixar o link e vale muita pena ler.
Aliás, já que estamos no tema, Rose Madder do Stephen King também fala sobre violência doméstica, claro em sua narrativa fantasiosa e de terror psicológico que só o mestre sabe fazer, mas ainda assim trata sobre isso. Vou deixar um trecho do livro que também traz um pouco desse universo simbólico do ciclo da violência, a personagem central: Rose, vivenciou todas as formas de violência em seu casamento com um policial, que segundo ela, sabia como bater. 

"Foram 14 anos de inferno...na maior parte dos anos, ela existiu num nevoeiro tão espesso como a morte e em mais de uma ocasião ela teve certeza de que sua vida não estivesse acontecendo (...) tal ideia lhe ocorria com mais frequência quando ele a espancava tanto que era obrigada a ficar de cama. Mergulhara nesse inferno aos 18 anos, acordando de um torpor um mês após o seu 32º aniversário. O que a despertou foi uma única gota de sangue no lençol que ela acabara de trocar."

No livro a personagem fica tão mortificada ante a necessidade de trocar o lençol e não ter um lençol limpo, que decide fugir desse marido, pois sabia que ele ficaria furioso por ela ser tão relaxada. No começo do casamento ele a mordia, deixava marcas e ela achava que eram mordidas de amor, depois veio os murros, nunca no rosto, pois ele sabia como bater. Ela teve suas costelas quebradas, perdeu dentes, sofreu abortos, mas pensava, eu aguentei até aqui, posso aguentar mais um pouco. Isolada da família e casada com um policial, quem acreditaria nela se ela fosse a delegacia? E assim ela prosseguiu com seu casamento. Foi apenas uma gota de sangue no lençol, uma gota que a fez perceber que provavelmente dessa vez ele a poderia matar.

Sou suspeita em falar de King, pois eu apenas amo, leio tudo que ele já produziu, bom ou ruim. Ele tem vários livros que abordam determinados aspectos do ser humano, como o Iluminado - o mais conhecido, que fala sobre o alcoolismo e também sobre violência doméstica, aliás, o Iluminado é talvez o livro mais autobiográfico dele e fala sobre a sua própria experiência com a bebida. Jogo Perigoso - que trata sobre abuso infantil, dentre vários outros. Como ele costuma dizer: Monstros existem, eles vivem dentro de nós e às vezes nos vencem.

E quanto a vocês, conhecem obras que tratam sobre o tema de forma autêntica e honesta?

Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida, atua na área de Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.

domingo, 12 de junho de 2016

A tendência de grupo e o estupro

Sim, ainda precisamos falar de estupro. 

No fim de maio as notícias se voltaram para o apavorante destino de uma jovem de 16 anos, estuprada coletivamente enquanto estava desacordada. Desde então, diversos outros casos de estupro de vulnerável foram noticiados; isso pelo enfoque que a mídia tem dado (sim), pelo identificação que proporcionou a outras vítimas e as incentivou a denunciar a violência que sofreram (também), mas ainda pela influência que o grupo social exerce sobre o indivíduo (perigosamente). 

De forma simplificada, o grupo constitui um conjunto de pessoas que compartilham crenças, ideologias e hábitos, que abrem mão de aspectos que os individualizam para que assim funcionem enquanto um coletivo. Todos nós compartilhamos com outros semelhanças e nos fundamentamos pelo pensamento disseminado entre os membros do grupo a qual pertencemos. 

Se imaginarmos um shopping, podemos visualizar como o grupo social funciona. Não existem muitas diferenças entre os membros de um grupo de jovens adolescente quando estão em suas atividades coletivas, e o discurso compartilhado por eles chega ao absurdo de uniformidade. Assim como o comportamento das famílias, namorados, mulheres e homens se assemelham em cada grupo que pertence (ex: casais de namorados tendem a compartilhar os mesmos hábitos que outros casais ao passear por entre as lojas do shopping. 
Os adultos não parecem tão influenciáveis pelo seus grupos, pois suas possibilidades de identificação social são mais ampliadas, com grupo de trabalho, faculdade, novo grupo familiar, mais recursos sociais e psíquicos. Ou seja, mesmo que não esteja tão obviamente identificado com o grupo a qual pertence, o indivíduo adulto também sofre a influência massiva do grupo social.

Então, mas o que isso tem a ver com o estupro? 

Como vimos em nosso último texto A cultura do estupro e a culpabilização da vítima, por trás de cada estupro existem crenças e hábitos que fundamentaram o pensamento do agressor e reforçaram o seu comportamento, inclusive legitimando o seu direito ao estupro da vítima. A cultura que o mantém é transmitida justamente pelo grupo social, como pessoas que assistem um certo tipo de programa televisivo tendem a compartilhar o mesmo pensamento a respeito dos personagens,

Parece surreal que um simples pensamento possa resultar em um estupro? Então observe as seguintes notícias sobre estupro coletivo dada nos últimos oito dias: 



Quatro casos em oito dias, com suas diferenças, mas que compartilham do uso da vulnerabilidade da vítima para estuprá-la. Quatro cantos diferentes do país, mas que compartilham o mesmo ato opressivo e violento. O estupro coletivo, principalmente, mostra como o grupo é poderoso. No caso do Rio de Janeiro, foram 33 homens cometendo um ato horrendo, sem que nenhum tivesse a lucidez de pará-lo. Isso porque, naquele momento, eles funcionavam com um único pensamento: o direito de uso do corpo de uma mulher ou criança que o discurso machista, compartilhado pelos grupos sociais, legitima. 

Há, de forma crescente, uma tendência perigosa nos grupos que ameaça a vida de mulheres, a tendência de por em prática e justificar  todos os:

Sexo frágil
Falta de dar
Corpo e delito
Mas também, ela...
Cu de bêbado não tem dono
Mulher não pode sair sozinha
Mas se é marido, não é estupro
Mulher é difícil, tem que insistir
O homem tem suas necessidades
O homem é violento por natureza
O homem tem que dominar a relação
Se alguém a estuprar vai estar fazendo um favor

E eu questiono: como o grupo social do qual você faz parte tem reforçado a cultura do estupro? O que você tem feito para influenciar os grupos que você pertence?


Leia também: A cultura do estupro e a culpabilização da vítima | Estupro, uma arma de guerra | Um breve histórico da sexualidade feminina



Sobre a autora: Rach é psicóloga, tem tentado ser escritora e vive na internet desde que isso tudo era capim. Quando criança, perguntou certo dia a sua mãe porque ela dizia "não vou colocar meus filhos homens para lavar a louça se tenho uma moça em casa", e depois de tantas outras perguntas sem resposta, se apaixonou pela bruxaria, se indignou com o machismo e se descobriu feminista.





terça-feira, 7 de junho de 2016

A cultura do estupro e a culpabilização da vítima

                                          Imagem: arquivo pessoal (Marcha das Flores/2016)
   
Durante essas semanas, notei que muita gente tinha uma certa dificuldade em entender essa realidade violenta do estupro associada ao termo "cultura". Acabei lendo muito comentário estúpido para tentar entender qual era a real dificuldade, já que para mim isso é tão límpido quanto a água. Após análise, me dei conta que a dificuldade vinha da falta de compreensão da complexidade do termo "cultura". Por isso, acho válido trazer a definição social da palavra para então fazermos um reflexão sobre o assunto.
O termo cultura pode ser entendido sim como artes, literatura e todas as coisas boas decorrentes do processo de criação humana, afinal de contas, a palavra cultura vem de cultivar. Mas também tem a ver com ideologias, crenças e hábitos transmitidos socialmente, pois o que são as convenções sociais senão normas cultivadas na sociedade?!
E partindo do pressuposto de que a cultura se refere também à crenças e hábitos adquiridos, podemos pensar ainda no processo de interiorização de conceitos.
Já tratei em outro texto, mais precisamente no texto: As sufragistas e a importância da representatividade feminina, sobre a herança patriarcal da nossa sociedade. A posição que a mulher ocupa hoje na família, como eixo de sustentação do lar, e na sociedade demonstra claramente que nossa organização social veio das bases do pensamento patriarcal, pois assim como também já trouxemos em outros textos como Um breve histórico sobre a sexualidade feminina e Bruxa, o lugar da mulher foi modificado socialmente após a expansão do cristianismo e no nosso caso com a colonização europeia. Por isso, existe uma série de questões sócio-históricas que delegam a mulher o amadurecimento precoce, a responsabilização pela família e pelo lar e a culpabilização por não corresponder ao ideal social.
Já se perguntou porque dizemos que a menina já tem idade suficiente pra saber o que está fazendo, mas quando é um menino, dizemos que ele é só um moleque? As meninas são ensinadas a cuidar da casa, enquanto os meninos são ensinados a conquistar o que quiser. Dizemos as nossas filhas que quando um menino bate nela, é porque ele gosta dela, estabelecendo assim as bases para aceitação do abuso. E fazemos isso porque aprendemos assim. Aprendemos que não devemos usar saia curta, porque isso pode soar como provocativo para os meninos, que devemos agir de certa maneira porque mulheres devem agir assim, que não devemos sair à noite sozinhas, porque somos mulheres e podemos ser atacadas. Isso é cultura do estupro e ela tem bases históricas que levam a sociedade a culpabilizar a vítima.
Recentemente, tivemos declarações de um artista musical que assediou uma repórter publicamente e longe de pedir desculpa, justificou que era apenas um moleque de 21 anos. Também tivemos uma garota de 16 anos violentada, cuja violência foi exposta em vídeos, áudios e o escambau, mas bastou um dos acusados dizer que foi consensual que a palavra daquela garota foi desvalorizada. Os juízes das redes sociais foram rápidos e vasculharam a vida da garota a fim de encontrar um milhão de situações que justificavam a agressão sofrida, como se houvesse justificativa para tal ato. O crime dela: não corresponder a expectativa social. O crime dele: ser um moleque que não sabe o que diz.
Quando alguém diz que a cultura do estupro não existe ou que é invenção de 'feminazi', um unicórnio com certeza morre no reino da fantasia que tal pessoa criou. Porque a cultura do estupro é uma realidade e vivemos ela cotidianamente, talvez você não saiba no que ela consiste, talvez você a reproduza diariamente e nem perceba. O assédio é algo constante para mulheres, pois somos objetificadas pela mídia e obrigadas a nos comportar dentro de um padrão social. 
Quantas coisas você deixou de fazer por ser mulher? Eu gosto de correr, mas não corro a noite no parque, porque afinal de contas sou mulher e correr sozinha é sempre um risco, principalmente em lugares escuros. Talvez você goste de viajar, mas não o faz sozinha porque é mulher e mulheres não devem sair por aí.
Quantas vezes você mulher disse a sua filha, sobrinha ou agregadas pra não usar aquela saia por ser muito curta ou não usar aquele batom porque não é adequado para a idade dela? Eu sei e você sabe que só estava protegendo ela. Mas por qual motivo você precisa protegê-la?
E quanto a você homem, quantas vezes recebeu vídeos expondo mulheres e repassou como se isso fosse natural? Quantas vezes teve a decência de parar um amigo que estava passando da conta com uma garota na festa ao invés de julgá-la pela roupa que veste ou pelo grau etílico? 
Quando dizemos que todo homem é um potencial estuprador não estamos dizendo que nossos pais, amigos e irmãos são estupradores, embora temos consciência de que provavelmente eles também reproduzem a cultura do estupro sem perceber, pois foram ensinados que é assim que homens tem de agir. Estamos dizendo que se alguém se aproxima de nós, mulheres, num beco escuro, preferimos que sejam mil demônios a um homem. Porque temos medo e temos medo porque somos ensinadas a temer e não é por nossa vida que mais tememos, tememos por nosso corpo, tememos pela violência que subjuga a alma. Porque diferente do que a maioria parece acreditar, o estupro não tem a ver com libido, não é um impulso irrefreável ao qual o homem é acometido, o estupro é sobre poder, é sobre dominação. Não vou adentrar nesse tema, pois existe um outro texto aqui do blog sobre isso.
O fato é que precisamos desconstruir o nosso machismo de cada dia, pois ele tolda a vida de homens e mulheres, cujos papéis sociais estão pré-definidos. Precisamos parar de ensinar nossas crianças que homens e mulheres não são iguais na sociedade, eles tem diferenças biológicas, mas isso não significa que tem diferenças sociais. Quando Simone de Beauvoir diz que não se nasce mulher, torna-se mulher, ela não estava falando do biológico, mas da construção social.
Aliás, sempre que uma mulher diz que é contra o feminismo fico pensando: então ela é contra o direito de escolha? contra a equidade de gênero? ela acha que mulheres só tem valor se forem belas, recatadas e do lar? Ou talvez ela não saiba que o feminismo significa. Então só pra esclarecer: feminismo não é o antônimo de machismo. O machismo é uma estrutura social com bases que significam a vida a partir da relação de dominação e de expropriação dos corpos e autonomia das mulheres, o feminismo é uma ideologia que luta pela equidade de gênero. Por essas e outras que digo que falta sim amor no mundo, mas falta principalmente interpretação de texto e conhecimento. 

Mas enfim, precisamos parar de culpabilizar a vítima pela agressão ou violência sofrida, precisamos parar de buscar justificativas e começar a buscar meios de modificar a realidade em que vivemos. 


Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida, atua na área de Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Feminismo?














Feminismo é prática política,
Feminismo é movimento social.
È a luta por igualdade e equidade.
Numa sociedade patriarcal
Onde o homem sempre aborta
Mas se é mulher é imoral

Feminismo é direito de decidir
Ser do lar,
Do bar
Se quer parir.
É ter a opção de escolher:
Raspar,
Ou deixar o cabelo do sovaco crescer?

Feminismo é luta,
Pra que a piada que oprime  não seja engraçada.
Para que o delegado não pergunte,
O que a vítima estava usando foi estuprada.
Feminismo não é para os homens perderem seus direitos.
A nossa luta é por respeito.
Se você é alguém que preza por justiça,
Seja bem-vindo à luta feminista!



Sobre a autora:  Deuseli Chagas é psicóloga clínica, nordestina, negra, feminista.  Não é poetisa, mas de vez quando gosta de brincar com as palavras.