terça-feira, 14 de junho de 2016

Camila, Camila....Você sabia que essa é uma música sobre relacionamentos abusivos?

                        Imagem retirada do site: http://cnq.org.br/noticias/mais-de-300-mil-mulheres-foram-vitimas-da-violencia-no-brasil-em-2014-f9e4/


Primeiro, tenho que confessar: eu sempre odiei essa música, com todas as minhas forças e de todo o meu coração. Eu tenho licença poética pra isso, eu me chamo Camila e desde que me entendo por gente é sempre a mesma irritante piada: Eu me apresento e a pessoa canta: Camilaaa, Camilaaaa.
Depois de um tempo me resignei com a piada cantada e passei a constranger as pessoas com a pergunta: Você sabia que essa é uma música sobre abuso?
Verdade seja dita, quando era criança não tinha conhecimento disso, mas com o passar dos anos e com a  minha necessidade de conhecer e questionar, sim, eu posso ser bem irritante, fui buscar a história da música. E claro, hoje eu já não odeio a música, pois entendo a importância dela.
A música "Camila, Camila" foi escrita no ano em que eu nasci, lá em meados de 1985. Fez muito sucesso na década em questão e é provavelmente uma das músicas, senão a música, mais conhecida do grupo até hoje.
O próprio vocalista da banda Nenhum de Nós, Thedy Corrêa, já deu diversas entrevistas sobre o assunto e contou que a música é baseada numa história real. Segundo ele, uma garota que eles conheciam passava por uma situação de abuso e violência no relacionamento e eles decidiram fazer a música como uma crítica social à violência contra a mulher.
Não acredita? Vem comigo ler a Letra então:

Depois da última noite de festa
Chorando e esperando amanhecer, amanhecer
As coisas aconteciam com alguma explicação
Com alguma explicação

Depois da última noite de chuva
Chorando e esperando amanhecer, amanhecer
Às vezes peço a ele que vá embora
Que vá embora

Camila
Camila, Camila

Eu que tenho medo até de suas mãos
Mas o ódio cega e você não percebe
Mas o ódio cega

E eu que tenho medo até do seu olhar
Mas o ódio cega e você não percebe
Mas o ódio cega

A lembrança do silêncio
Daquelas tardes, daquelas tardes
Da vergonha do espelho
Naquelas marcas, naquelas marcas

Havia algo de insano
Naqueles olhos, olhos insanos
Os olhos que passavam o dia
A me vigiar, a me vigiar

Camila
Camila, Camila

Camila
Camila, Camila

E eu que tinha apenas 17 anos
Baixava a minha cabeça pra tudo
Era assim que as coisas aconteciam
Era assim que eu via tudo acontecer

A música trata de um relacionamento abusivo e faz referência ao ciclo da violência, a submissão e ao isolamento a que normalmente as vítimas de violência doméstica estão expostas. 
Muitos anos se passaram desde que a música foi escrita, muita gente sequer sabe que a música trata sobre esse tema, a crítica social acabou se perdendo. Por isso, hoje decidi lembrar que "Camila, Camila" trazia esse assunto delicado lá em 1985 quando pouca gente se atrevia a falar sobre o assunto. E é uma importante reflexão sobre relacionamentos abusivos. 
E quando estava pensando sobre a música, me lembrei de um texto fantástico que li nos anos 2000, num blog de uma também Camila, o texto se chama: O monstro em mim, vou deixar o link e vale muita pena ler.
Aliás, já que estamos no tema, Rose Madder do Stephen King também fala sobre violência doméstica, claro em sua narrativa fantasiosa e de terror psicológico que só o mestre sabe fazer, mas ainda assim trata sobre isso. Vou deixar um trecho do livro que também traz um pouco desse universo simbólico do ciclo da violência, a personagem central: Rose, vivenciou todas as formas de violência em seu casamento com um policial, que segundo ela, sabia como bater. 

"Foram 14 anos de inferno...na maior parte dos anos, ela existiu num nevoeiro tão espesso como a morte e em mais de uma ocasião ela teve certeza de que sua vida não estivesse acontecendo (...) tal ideia lhe ocorria com mais frequência quando ele a espancava tanto que era obrigada a ficar de cama. Mergulhara nesse inferno aos 18 anos, acordando de um torpor um mês após o seu 32º aniversário. O que a despertou foi uma única gota de sangue no lençol que ela acabara de trocar."

No livro a personagem fica tão mortificada ante a necessidade de trocar o lençol e não ter um lençol limpo, que decide fugir desse marido, pois sabia que ele ficaria furioso por ela ser tão relaxada. No começo do casamento ele a mordia, deixava marcas e ela achava que eram mordidas de amor, depois veio os murros, nunca no rosto, pois ele sabia como bater. Ela teve suas costelas quebradas, perdeu dentes, sofreu abortos, mas pensava, eu aguentei até aqui, posso aguentar mais um pouco. Isolada da família e casada com um policial, quem acreditaria nela se ela fosse a delegacia? E assim ela prosseguiu com seu casamento. Foi apenas uma gota de sangue no lençol, uma gota que a fez perceber que provavelmente dessa vez ele a poderia matar.

Sou suspeita em falar de King, pois eu apenas amo, leio tudo que ele já produziu, bom ou ruim. Ele tem vários livros que abordam determinados aspectos do ser humano, como o Iluminado - o mais conhecido, que fala sobre o alcoolismo e também sobre violência doméstica, aliás, o Iluminado é talvez o livro mais autobiográfico dele e fala sobre a sua própria experiência com a bebida. Jogo Perigoso - que trata sobre abuso infantil, dentre vários outros. Como ele costuma dizer: Monstros existem, eles vivem dentro de nós e às vezes nos vencem.

E quanto a vocês, conhecem obras que tratam sobre o tema de forma autêntica e honesta?

Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida, atua na área de Direitos Humanos. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.

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