quinta-feira, 9 de novembro de 2017

A PEC 181 e a institucionalização assustadora de Handmaid's Tale.

imagem de divulgação da série

A vida anda tão handmaid's tale (O conto da Aia) que parece que estamos vivendo 24h num pesadelo ou numa brincadeira de muito mau gosto.
E caso você não tenha lido esta maravilhosa e desconfortável distopia, fiz um resumo dela aqui e sugiro que você leia, aprenda alguma coisa e se prepare, pois ela é perigosamente real.
Na Quarta - feira a comissão da Câmara aprovou por 18 votos a 01, a apresentação de uma proposta no mínimo indecente que estabelece que a vida começa na concepção com base obviamente nas próprias parcas e podres convicções religiosas, pois sabemos que não há resposta para esse dilema, tão pouco concordância acadêmica ou médica sobre o assunto.
Tal proposta é na verdade um cavalo de Troia, já falei sobre o estatuto do nascituro aqui e o quanto ele é danoso para as mulheres. Ela traz um turbilhão de insegurança jurídica e ataca justamente a espinha dorsal da questão legalização do aborto, mesmo nos casos permitidos pela legislação.
Estranhamente, a PEC 181 sequer se tratava da questão do aborto originalmente, na verdade era um projeto para alterar a legislação trabalhista e ampliar a licença maternidade para bebês prematuros. E numa manobra suja e fraudulenta, a bancada religiosa colocou artigos que dizem que a vida começa com a concepção e caso tal lei seja aprovada e entre na Constituição, inviabilizaria qualquer discussão sobre o aborto no Brasil, além de trazer insegurança jurídica criminalizando os casos em que o procedimento é previsto. 
Aborto é sempre um tema que gera insegurança e polêmica, principamente porque as pessoas o discutem baseadas em suas convicções religiosas e morais e se esquecem de discutir do ponto de vista acadêmico, do ponto de vista da saúde pública. Suscita discussões acaloradas e vazias de argumentos.
O que as pessoas com frequência esquecem é que esse feto, essa criança que ainda não nasceu e que não vive fora do corpo dessa mulher é um conceito. Ela não está viva a não ser enquanto compartilha o corpo de outro e, portanto, ela não precisa ser alimentada, vestida, cuidada. Ninguém, além da pessoa com quem ela coexiste precisa lidar com ela.
E por ele ser um conceito, quem se importa se ele será amado ou desejado? Quem se importa se ele será educado ou abandonado? Quem se importa se ele será apenas mais um problema social?
E sempre me pergunto de que vida afinal eles são a favor? Que vida é essa que defendemos em detrimento de uma vida já pronta e que não recebe apoio em suas decisões, que não recebe assistência médica e que é julgada e criminalizada. A vida que eles defendem não é uma vida com a qual eles tem que se preocupar. 
Sim, a vida está muito handmaid's tale e nosso útero não nos pertence mais, uma sala repleta de homens decidiram que não temos o direito de escolher. Decidiram que se formos estupradas, nosso sofrimento será institucionalizado. Numa revitimização constante e alienante. 
Daqui a pouco seremos catalogadas como férteis e não férteis e seremos relegadas a função única de reproduzir. Essa distopia está acontecendo e está acontecendo agora.

Sobre a autora: Camila Thiari é Psicóloga por missão na vida. É Feminista (assim mesmo com "F" maiúsculo). Acredita no direito de escolha e que a cultura é a forma mais autêntica de expressão humana. Nas horas vagas preenche o vazio existencial com séries, livros e filmes.


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